Rio de Janeiro, 16 de Abril de 2024

Vivendo de brisa

Desde maio de 99, o casal Steve, 36, e Evelyn Torrence, 39, riscou do mapa as refeições diárias que fazem parte do cotidiano de boa parte da humanidade. Brasileira, radicada nos Estados Unidos desde 1998, Evelyn ostenta um corpo enxuto, de 47 quilos, distribuídos em 1,66m. Está bem longe da imagem de alguém supostamente desnutrido - mas não ingere comida há quase dois anos.

Na realidade, não é que eles não se alimentem de nada: a "comida" deles é "prana", a energia universal que é obtida a partir da respiração e da absorção da luz solar. Algo como a fotossíntese realizada pelas plantas que, no caso dos humanos, seria feita pelas glândulas pineal e hipófise, segundo Evelyn.

De acordo com ela, existem várias formas de se absorver a energia prânica - em geral, através de técnicas respiratórias comuns para quem pratica yoga. Mas o jeito mais simples mesmo é olhar o sol todos os dias de manhã bem cedo. "A luz do sol vai direto para as glândulas pituitária (hipófise) e pineal", diz Evelyn. Ela explica que se a pessoa começa a encarar o sol durante dez ou vinte segundos por dia, os olhos vão se acostumando e a forte luz do sol não incomoda mais. Para Evelyn, as nossas glândulas são como os painéis solares usados pelas casas que aproveitam a energia do sol para ter luz e aquecer a água. "Nossas glândulas absorvem essa energia e ficam o dia todo passando para o nosso corpo inteiro. Elas funcionam como uma bateria energética que a gente carrega toda a manhã."

Escritora, com três títulos publicados no Brasil, Evelyn acredita que nós simplesmente somos viciados em comida, que para ela é a pior das drogas. "A energia do alimento é ilusória, é igual a cocaína. Quando você come, você está bem, depois entra em processo de digestão, que tira toda a energia que você tinha e que a comida deu".

Além de ser responsável pelo "maior desgaste energético" de uma pessoa, para Evelyn a comida é a maior causa das doenças que assolam a humanidade. "Comida é extremamente poluente em todos os aspectos. Você está ingerindo veneno e toxina e espera que seu organismo digira isso. Só que ele não consegue e tem uma hora que pifa. 91% das doenças do mundo moderno são causados pela alimentação, o resto pela mente. Doença mesmo não existe", afirma ela, que acredita que a não-alimentação pode conduzir à imortalidade. "Posso morrer de acidente de carro, assassinada, de queda de avião, de raio na minha cabeça, mas não morro mais de velhice nem de doença".

Ela garante que desde que parou de comer, seu corpo começou a rejuvenescer. "Há dois anos, quando me olhava no espelho já via o processo de envelhecimento. Hoje, vejo as marcas do rosto sumindo, os cabelos brancos desaparecendo e os meus músculos estão tão duros que as pessoas acham que eu malho o dia todo". Atualmente trabalhando junto com o marido em processos de despoluição, Evelyn foi esportista na juventude. Conquistou o vice-campeonato brasileiro de natação, em 75, e com sua antiga empresa de promoções, a BWA, organizou o circuito de competições de bodyboarding no País, modalidade da qual foi vice-campeã nacional em 89.

Desintoxicação radical


Evelyn e Steve

Para se tornar totalmente independente do prosaico e delicioso hábito de comer, o casal seguiu os passos de Jasmuheen, 47, australiana que parou de comer em 1993 e escreveu o livro Viver de Luz. O primeiro passo foi se submeter a um processo de desintoxicação "praticamente suicida", que durou 21 dias. Na primeira semana, não ingeriram sequer água."É quase enlouquecedor. É a mesma coisa que sente um viciado de heroína quando vai para uma clínica de desintoxicação. Você treme, tem depressão, praticamente morre. O que te mantém vivo é a tua determinação", conta ela, que emagreceu, na primeira fase, sete dos nove quilos que perdeu ao todo.

Na segunda semana, já era permitido ingerir água. Ela lembra que depois de sete dias de abstinência, ao colocarem água na boca, eles tiveram uma experiência mágica. "Parecia que eu tinha nascido de novo. A água passa a ser a coisa mais importante na vida". Nessa semana, eles também tiveram a opção de botar algumas frutas diluídas "para dar um gostinho na água".

Depois de terminadas as três semanas de desintoxicação, fora os biscoitinhos que eles comem em situações sociais, o casal nunca mais ingeriu comida. Ela estima que depois desse processo, 90% das pessoas não volta mais a se alimentar regularmente, ou seja, a ingerir três refeições por dia. "As pessoas voltam a comer esporadicamente, socialmente, mas não mais comida, porque o organismo não aceita", diz ela. "Fica uma maçã, um docinho, um sushi por dia, mas rotina alimentar nunca mais".

Hoje, portanto, quando o casal esta trabalhando, não é mais o alarme do estômago que comanda os intervalos. "Se a gente se cansa de trabalhar, vamos andar de patins, de bicicleta, assistir um filme, fazer amor, não tem mais meio-dia. A gente pára quando sente vontade". Às vezes, entretanto, quando há muito trabalho, eles podem começar às 5 da manhã e acabar só na madrugada seguinte, pois não sentem mais o cansaço físico e mental, que ela atribui ao processo de digestão. "A gente não dorme mais. Nós repousamos, pois o sono é muito leve. Temos no máximo quatro horas de sono". Ela também revela que a vida sexual fica "mais energética".

"Sexo não é mais uma necessidade física, é uma troca energética. Meu marido não tem ejaculado, então a gente pode ficar fazendo amor quatro, cinco horas sem parar". Ela também acredita que como eliminou as toxinas que tinha em seu corpo, seus sentidos ficaram mais intensificados. "Quando sou tocada, minha sensibilidade faz o toque ser sentido no corpo inteiro".

Hoje em dia Evelyn garante não sentir mais nenhum pingo de vontade de comer. Certa vez foi no aniversário de uma amiga que havia preparado um bobó de camarão, cujo cheiro estava muito apetitoso. Para ela, no entanto, bastou dar uma "cheiradinha" na comida, que ela se sentiu satisfeita. "Não é um sacrifício para a gente. Todo mundo tem desejo de comer, mas nós eliminamos o desejo. Ficamos só na água. É mais fácil do que as pessoas podem imaginar".

Para tornar-se um ser totalmente independente da comida, não precisa, segundo ela, ter espiritualidade nenhuma. "Só precisa ter total consciência de que é sua própria vontade que vai determinar o processo. A crença é o maior poder que o ser humano tem". Seguindo esse raciocínio, ela acha que só morre de fome quem acredita que não ingerir comida mata.


À espera de comprovação

Em agosto de 2001 o casal Torrence fará parte de um grupo de nove pessoas que passará todo o mês internado em um instituto médico da Califórnia, nos EUA. Eles serão supervisionados por uma equipe de especialistas 24 horas por dia, e serão submetidos a exames diários de sangue. Os resultados dessa experiência serão entregues ao governo norte-americano. Evelyn espera que essa experiência seja a prova científica de que eles realmente não se alimentam e que o hábito de faquir que eles incorporaram realmente funciona.

Na Índia, Hira Ratan Manek, um engenheiro mecânico aposentado de 64 anos, está tendo sua saúde monitorada por uma equipe médica do Health Care International Multitherapy Institute desde dois dias antes de entrar em jejum. A experiência se encerra no dia 15 de fevereiro de 2001, e Manek terá completado 411 dias sem comer.

Um dos médicos que está monitorando a saúde de Manek, Sudhir Shah, acredita que se trata de um caso crônico de síndrome de adaptação, onde o corpo reduz naturalmente a necessidade alimentar depois de 16-17 dias de jejum, por conta da redução do sistema receptor. Ele, entretanto, não descarta a possibilidade de ter algo a ver com a mecânica cerebral responsável pelas atividades parafísicas. Os exames têm comprovado que todas as partes do cérebro de Manek, incluindo o hipotálamo, a glândula pituitária e a medula oblongada mostraram sinais de mudança durante seu jejum prolongado.

Para o presidente da sociedade brasileira de endocrinologia e metabologia, Dr. José Marcondes, é impossível que pessoas que mantém uma vida ativa possam viver tanto tempo sem ingerir nutrientes. "Não vejo outra opção. Eles devem estar comendo", diz ele. "Mesmo fazendo fotossíntese, os vegetais precisam dos nutrientes da terra para viver".

Para ele, se a crença tivesse capacidade de evitar que pessoas que não se alimentam não morressem, não haveria tantos casos de morte por anorexia nervosa, em que as vítimas, acossadas pelo medo de engordar, perdem a noção da imagem corporal, param de comer e mesmo sendo informadas da morte iminente, não acreditam.


Crédito:Marcio Vasconcellos

Autor:Débora F. Lerrer

Fonte:Planeta