Rio de Janeiro, 29 de Março de 2024

O PT tem toda razão

A ocorrência: o senhor Waldomiro Diniz, alto funcionário do governo federal e braço direito do todo poderoso ministro José Dirceu, foi flagrado extorquindo dinheiro de um bingueiro para financiar campanhas eleitorais. O achaque foi gravado em vídeo, com imagens nítidas e vozes perfeitamente audíveis. Está claramente configurado o delito. Contra fatos não há argumentos, não é mesmo?
 
Depende. O episódio atinge o PT, uma agremiação cujos membros são exímios praticantes da tal da dialética, esta lógica confusa na qual o que é pode não ser, o que não é pode vir a ser e tudo o que existe pode deixar de existir. Após assistir durante vários dias aos esforços dialéticos do partido para, se não justificar, ao menos criar interpretações para o episódio, não pude deixar de recordar de uma antiga parábola, um dos tesouros da sabedoria árabe.
 
Segundo as Mil e Uma Noites, recriadas por Katibah, existiu no Cairo um governador de nome Karakus, o qual, pelo seu originalíssimo senso de justiça muito provavelmente serviu de influência para os nossos atuais estadistas.
 
Um ladrão foi detido após tentar invadir uma casa. Ao tentar entrar pela janela, a moldura cedeu e ele quebrou o braço na queda. Levado à presença do governador, para que esse fizesse justiça, o larápio surpreendentemente argumentou, com veemência:
 
     - Quem tem de prestar queixa sou eu! O proprietário da casa foi irresponsável ao deixar a moldura solta! Por causa disso eu é que exijo justiça!
 
Karakus achou o argumento razoável. Ordenou que a polícia detivesse o proprietário da casa e o levassem a sua presença. O cidadão, conhecendo o governante que tinha, nem tentou defender-se. Tratou de passar a culpa para a frente:
 
     - Nobre Karakus, para evitar fatos lamentáveis como esse, eu paguei ao carpinteiro uma quantia suficiente para que ele instalasse na janela uma moldura
        segura.Se existe um culpado, só pode ser ele!
 
O proprietário da casa foi convincente. Tanto que o governador o liberou e mandou prender o carpinteiro.
Este também soube argumentar de modo impecável:
 
      - A madeira era de boa qualidade, senhor. O problema é que, no momento em que eu estava pregando a moldura, passou pela rua uma bela moça, com um
         vestido decotado, o que me fez distrair-me e colocar os pregos de forma errada. É ela, e apenas ela, a grande culpada!
 
Constatada a inocência do carpinteiro, ele foi liberado e o próximo a depor foi a tal moça. Mas ela também sabia se defender:
 
      - Se eu sou bela, governador, a culpa é de Alá! Mas, para colaborar com a Justiça, eu me prontifico a denunciar a tenda onde comprei esse vestido.
 
A moça foi dispensada e o comerciante, dono da tenda, imediatamente preso. Como não soube defender-se de forma convincente, o governador ordenou que
fosse enforcado na porta da cadeia. Só que, no momento da execução, surgiu um problema. O comerciante era muito alto, o que inviabilizava o enforcamento.
O povo, impaciente, clamava por justiça. Karakus, sem saber o que fazer, tomou então uma sábia decisão. Mandou prender um comerciante mais baixo e enforcou-o no seu lugar. E assim se fez justiça no reino de Alá!
 
Pelo que eu estou entendendo da argumentação dos próceres petistas, já pude concluir o seguinte:
 
      1 - O PT é absolutamente inocente neste episódio, porque o Waldomiro não era filiado ao partido.
      2 - O ministro Dirceu é apenas mais uma pobre vítima, porque confiou no Waldomiro e foi perversamente traído por ele.
      3 - O governo não tem nada a ver com a história porque o fato ocorreu antes de sua posse.
      4 - Se existe responsabilidade, é do Congresso Nacional, que até hoje não aprovou o financiamento público das campanhas eleitorais,
            o que obriga os coitados dos candidatos a buscar desesperadamente fontes de receita para custear a sua eleição.
      5 - Um dos grandes culpados é o jogo de bingo, que, por ser altamente lucrativo, acaba por atrair a cobiça dos tesoureiros das campanhas.
      6 - A culpa maior é dos antigos fenícios. Se eles não tivessem inventado o dinheiro, fatos lamentáveis como este jamais teriam ocorrido.
 
Se alguém ainda tem dúvidas, é simples. Basta chamar o Karakus para arbitrar a questão.
 
             Maktub!
 
             João Mellão Neto é jornalista.
             Site: http://www.mellao.com.br.
 

Crédito:João Mellão Neto

Autor:João Mellão Neto

Fonte:www.mellao.com.br