Rio de Janeiro, 19 de Abril de 2024

Doença de Fabry, essa rara desconhecida

Doença de Fabry: rara e cruel

O sofrimento existe desde seu diagnóstico: pela

falta de informação e o custo envolvido


No início de julho de 2008, a auxiliar administrativa M.B. recebeu uma dura notícia. Seu sobrinho de apenas cinco anos, quem considera um filho, havia sido diagnosticado com uma enfermidade metabólica tão grave quanto rara, conhecida como Doença de Fabry. Causada pelo depósito de uma gordura específica em todos os órgãos do corpo, se não tratada pode levar a pessoa à morte. Antes disso, os sinais e sintomas da doença impedem o paciente de ter um mínimo de qualidade de vida, pois são severos, e entre os mais comuns estão a dor crônica, alteração da pele, transpiração prejudicada, problemas gastrintestinais, renais, cardíacos e cerebrovasculares, sem falar em depressão, desesperança, alienação e negação dos próprios sintomas. Mas M.B., que mora em Curitiba, teve sorte ao encontrar uma médica bem informada e que logo suspeitou da Doença de Fabry. Por se tratar de doença muito pouco conhecida, raramente, os profissionais da área de saúde diagnosticam corretamente tal transtorno.

Mesmo assim, no Brasil, estão registrados cerca de 150 pacientes. Para confirmar se de fato tratava da doença de Fabry, a auxiliar administrativa foi informada que teria que ser feito um exame específico, que imaginou ser muito caro. Por não ter recursos disponíveis, já estava se conformando em ter que vender seu meio de transporte, um carro ainda não quitado, até que o inesperado aconteceu. Ela conheceu a Associação Brasileira da Doença de Fabry e Familiares (Abraff), que hoje oferece orientação, apoio, ajuda e suporte necessários e sem custos a todos os pacientes diagnosticados no país, pois a maioria dos pacientes não conta com meios para exames e tratamento.

Com sede em Campinas, a Abraff foi fundada por Wanderlei Cento Fante, 48 anos e portador da rara doença, cujo nome científico é Síndrome de Anderson-Fabry. Para funcionar, a organização depende do pouco apoio externo que recebe, como do Instituto Saúde de SP e do Instituto Gaucher. A ajuda auxilia no pagamento de contas de telefone, água, luz e outros custos administrativos, como auxílio aos pacientes e produção e envio boletins e cartas. A associação não cobra nem recebe absolutamente nada dos pacientes. O trabalho é totalmente gratuito, desde a ajuda para conseguir o exame até para fazer o tratamento. Para aqueles que ainda não conseguem tratamento, a ABRAFF auxilia na inclusão destes pacientes em programas de doação.

 

Pioneiro pela causa

Na infância, Wanderlei sentia muita dores e ardência nas solas dos pés e palmas das mãos. Também não suportava exercícios físicos, não suava e procura sombras nos dias quentes. Quando ia aos médicos, ouvia dizer que era manha, preguiça. Aos 12 anos de vida, percebeu pintinhas vermelhas na região genital. À medida que foi crescendo, essas pintinhas (angioqueratoma corporis difusion) iam aumentando na região das coxas, nádegas, umbigo e etc. Aos 16 anos de vida, teve sua primeira internação em um hospital psiquiátrico, onde ficou internado por três meses, e os psiquiatras achavam que era um problema da mente.

A vida de Wanderlei era somente sofrimentos, e composta de dores de barriga e quadros de erisipelas. A claridade incomodava, e ele perdeu a conta de quantas vezes foi internado com 40 graus de febre. Aos 28 anos de vida, fez uma consulta com a dermatologista Claudia Kiori Feo, e por acaso contou a ela todos os seus sintomas. Foi quando ela matou a charada: “Doença de Fabry”. Após feita biópsia das pintinhas vermelhas, veio a confirmação. Na ocasião, ouviu a médica dizer que para tal moléstia não havia cura, mas que talvez surgisse uma esperança em vinte anos.

Não foi preciso esperar tanto, mas se passaram 14 anos até que surgisse uma boa notícia. Certo dia, Wanderlei deu início a busca intensa pela internet, até que descobriu um cientista Robert Desnick, E.U.A, e que pesquisava a doença de Fabry , acabara de descobrir um remédio capaz de devolver boa qualidade de vida ao paciente. Foi então que surgiu novo problema: como ter acesso ao tratamento? Sem ter muita escolha, mas com esperança de resposta, optou por enviar e-mail direto ao pesquisador , pedindo ajuda. A resposta veio após uma semana , com a indicação do setor de Erros Inato do Metabolismo da Universidade Unicamp/Campinas(SP).

Ao constatar a doença, a médica solicitou a doação dos remédios necessários, que chegaram dos EUA um mês depois. Aos poucos, conforme teve restabelecida sua qualidade de vida, Wanderlei se sentiu motivado a ajudar outras pessoas portadoras, e, com a ajuda de profissionais da saúde e pacientes, criou a Abraff. Outra grande conquista de Wanderlei foi ser o primeiro paciente a conseguir o tratamento gratuito pelo SUS, abrindo precedente para os outros enfermos. “Fui o primeiro paciente Brasil a receber tratamento, e a ganhar uma causa forçando o governo garantir o nosso tratamento, embora eles lutem com todas as forças para não comprar a medicação. Também criei uma rede de relacionamento entre os pacientes, pois quem tem Fabry sente se muito sozinho”, conta Wanderlei.

Estes são alguns dos objetivos da Abraff:

1- Dar a conhecer as formas de tratamento;

2- assessorar e orientar médicos e pacientes;

3- publicar revistas, folhetos,livros e elementos de difusão;

4- apoiar e desenvolver ações para a defesa, elevação e manutenção da qualidade de vida dos pacientes e portadores da doença Fabry bem como sua inclusão social;

5- promover encontros familiares anuais de caráter científico para promover a integração e troca de experiências como todos os envolvidos com a doença de Fabry, bem como facilitar a circulação de novas informações e pesquisas realizadas na intenção de curar essa desordem;

6- dar suporte a familiares e pessoas afetadas por doença de Fabry, orientando e informando sobre as opções de tratamento existentes; encaminhando aos centros de tratamento especializados; auxiliando na localização de ajuda médica especializada e procedimentos médicos específicos; oferecer orientação psicológica e nutricional;

7- promover direitos das pessoas portadoras da doença de Fabry, bem como assessoria e orientação jurídica;

8- difundir, propagar e promover a consciência profissional e popular sobre a doença, sua manifestação e prevenção, bem como dar suporte a pesquisas e a laboratórios interessados em promover a identificação e cura definitiva da doença de Fabry.

Doença de Fabry

A doença de Fabry (também conhecida como Anderson-Fabry) é uma doença de depósito lisossômico (DDL) grave, progressiva e potencialmente fatal causada pela deficiência ou ausência de uma enzima lisossômica, a alfa-galactosidase. A prevalência estimada da Doença de Fabry é de 1 em 117 mil nascidos vivos e 1 a cada 40 mil homens, o que a torna uma doença rara e muitas vezes negligenciada, visto que o pequeno número de casos no mundo, aliado a dificuldade na elaboração de um tratamento efetivo, são fatores limitantes para o aumento da pesquisa do tratamento/cura.

Muitos pacientes com a doença de Fabry são diagnosticados incorretamente e podem ter consultado diferentes especialistas antes da obtenção de um diagnóstico preciso. Em em ambos os sexos decorrem cerca de 12 anos entre o início dos sintomas e o estabelecimento do diagnóstico. Na ausência de tratamento, a expectativa de vida geralmente é reduzida em 20 anos em pessoas do sexo masculino e em 15 anos nos indivíduos do sexo feminino, com a morte usualmente devido a falência renal, doença cardíaca ou acidente vascular cerebral.

A deficiência de Alfa-galactosidase A nos lisossomos de pacientes com a doença de Fabry resulta no acúmulo progressivo do glicosfingolipido, globotriaosilceramida (Gb3), nas células de muitos sistemas orgânicos, inclusive nas células epiteliais renais tubulares e glomerulares, células miocardiais e fibrócitos valvulares, neurônios dos gânglios da raiz dorsal e no sistema nervoso autônomo, bem como nas células vasculares endoteliais, periteliais e da musculatura lisa. Isto leva a uma ampla gama de sintomas em muitos órgãos, inclusive coração, rins, cérebro e pele, levando muitas vezes a graves manifestações em um ou mais sistemas e finalmente a morte do paciente.

A doença de Fabry é de natureza progressiva. Além disso, a apresentação clínica é heterogênea, com o histórico natural da doença variando significativamente entre os pacientes.

Doenças metabólicas.

As doenças metabólicas hereditárias são causadas por erros inatos do metabolismo, deficiência de certas enzimas que levam o corpo humano a produzir determinadas substâncias em excesso e que se tornam tóxicas. Em outros casos, o organismo deixa de produzi-las em quantidade suficiente. O tratamento deve ser iniciado assim que o médico desconfie de um tipo de Erro Inato do Metabolismo

O diagnóstico de algumas das doenças metabólicas é feito pelo do Teste do Pezinho básico, exame obrigatório de acordo com o Programa de Triagem Neonatal do governo federal. O teste detecta as doenças de maior incidência como fenilcetonúria, hipotiroidismo congênito, anemia falciforme, hemoglobinopatias e fibrose cística. Outras doenças de menor incidência são detectadas pelo teste ampliado disponível apenas em hospitais particulares. Os resultados do Teste do Pezinho básico demoram muito para ficarem prontos, o que pode atrasar o início do tratamento. Além disso, são poucos os centros especializados nesse grupo de doenças no Brasil, por isso, muitos pacientes com doença metabólica hereditária ficam sem diagnóstico. ”A maioria dos médicos não sabe quando suspeitar de um EIM, dessa forma, é importante que o tema seja cada vez mais difundido entre os especialistas”, declara Erlane Marques, médica coordenadora do Centro de Referência de Erros Inatos do Metabolismo da Secretaria de Saúde do Estado do Ceará.

Diagnóstico da Doença de Fabry.

O diagnóstico laboratorial é feito pela determinação da atividade da enzima -galactosidase A, que pode ser inicialmente testada através de gota de sangue em papel de filtro. A confirmação diagnóstica para homens se faz por meio de dosagem enzimática em leucócitos e, para mulheres, por meio de análise de mutações. No Brasil existem dois centros capacitados para fazer as análises laboratoriais para diagnóstico da doença de Fabry:

Tratamento da Doença de Fabry.

Ao longo dos últimos cinco anos o interesse em doença de Fabry tem aumentado graças ao surgimento da terapia de reposição enzimática. Várias pesquisas têm demonstrado que as preparações farmacológicas disponíveis melhoram o quadro clínico neurológico e renal, bem como melhora a qualidade de vida. Duas enzimas produzidas em laboratório foram aprovadas pelas agências regulatórias internacionais e estão disponíveis para tratamento: uma produzida por cultura de fibroblastos humanos e a outra produzida por ovários de hamsters. Diante da possibilidade de tratamento da doença de Fabry com reposição enzimática e dos resultados positivos acima descritos, sugere-se que se a doença de Fabry for diagnosticada mais precocemente, então, a morbidade e mortalidade a longo prazo podem ser reduzidas.


Serviço de Genética Médica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

Rua Ramiro Barcelos, 2350

CEP 90035-903 – Porto Alegre / RS

Fone 51 2101 8011

Fax 51 2101 8010

UNIFESP

 

Crédito:Cris

Autor:Gustavo Zielonka

Fonte:Universo da Mulher