- Não sei o que consta lá. Eles faziam investigação sobre qualquer pessoa. O importante é que estamos transformando esse espaço com uma história trágica em um espaço de liberdade e alegria - disse o secretário.
O Governo do estado gastou R$ 12 milhões na restauração e preservou os mínimos detalhes, como as escadas de mármore carrara e os tijolos avermelhados de 1914.
A partir de hoje, o antigo prédio do Dops será aberto ao público como Centro Cultural e com várias exposições. No local onde ficavam as celas do antigo prédio funcionará o Memorial da Liberdade, que contará com exposições permanentes de fotos e artes plásticas relacionadas ao tema, como cidadania, direitos humanos e democracia. Entre elas, 30 quadros que representam os 30 artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos expostos nas paredes de quatro celas, também chamada pelos presos políticos como porões do Dops.
A cantora Elis Regina também tem um prontuário no Dops |
Por elas passaram inúmeros presos, muitos desapareceram - apesar de nos arquivos não haver registro de nenhuma morte - e outros torturados, como é o caso da professora Maria Amélia de Almeida Teles, de 57 anos, que aos 28 foi presa e torturada na cela 3 do prédio. Quase três décadas depois de ter passado quatro meses presa no Dops, ela retorna ao local e critica a reforma, que descaracterizou o prédio.
- Lutei para que fosse construído um memorial do cárcere. Visitei vários campos de concentração na Europa que contam a história pela sua própria arquitetura e conseguia visualizar tudo o que havia ocorrido ali apenas pelas características do lugar. Mas o Dops foi descaracterizado. Quem vier aqui não saberá que foi o porão da ditadura - disse ela.
A ex-presa política se refere principalmente às quatro celas que agora são pequenas salas de exposições. De original, restam apenas as grades de ferro das portas e janelas. As paredes ganharam uma espessa camada de gesso e tinta de cor grafite, que dão aparência de um espaço novo, e o piso - antes de madeira onde se abrigavam ratos e baratas - agora é de pedra. Tudo isso com iluminação própria a museus e ar-condicionado.
- As inscrições dos presos nas paredes, que contavam muito sobre o que foi este lugar, não existem mais. Também não dá para saber que havia sala de tortura porque ela não existe mais. Não concordo - completou Maria Amélia.
Monteiro Lobato, preso em 1940, considerado perigoso, subversivo e anglófilo |
O arquiteto Haron Cohen, responsável pela restauração, acredita que o prédio não seria visitado caso mantivesse suas características originais.
- Esse prédio tem um sentido nefasto. Eu alteraria até a fachada (em estilo inglês, construída em 1914 por Ramos de Azevedo), caso não fosse proibido pelo Patrimônio Histórico. Se ficasse do jeito que era ninguém viria - disse ele.
Polêmica à parte, o antigo prédio do Dops se transformou em um importante veículo para a obtenção de informações sobre o período da ditadura militar. No antigo pátio dos presos, por exemplo, agora existem computadores que darão acesso aos prontuários e fragmentos de depoimentos de pessoas interrogadas, cuja íntegra faz parte do arquivo do Estado de São Paulo. Além da mostra "Cotidiano Vigiado", com registros históricos sobre perseguição a judeus, nazistas, fascistas, comunistas e artistas, também será aberta a instalação "Intolerância", no 2º andar do Dops, do artista plástico goiano Siron Franco, que reúne cerca de 800 bonecos de pano empilhados e vestidos com roupas usadas. Os bonecos não têm cabeça, representando, segundo Siron, os anônimos.
- Não fiz a instalação para ser exposta aqui, mas é o melhor lugar para isso, pois é a casa da intolerância - disse Siron.
Até o fim do ano, também será inaugurado no local o Museu do Imaginário do Povo Brasileiro. Ao todo, foram gastos R$ 12 milhões, pelos governos federal e estadual, para reformar o antigo prédio do Dops.
Crédito:Anna Beth
Autor:Rení Tognoni
Fonte:Globo News