Rio de Janeiro, 19 de Abril de 2024

Mães depois dos 40

Júlia Natali tem 4 meses. É sorridente e mama sem parar, como todo recém-nascido. Mas Júlia é uma criança singular. Foi o primeiro bebê nascido no Brasil a partir de um óvulo congelado. Em 1997, a administradora capixaba Zélia Natali havia completado 36 anos, mas ainda não se sentia preparada para ser mãe. Como sabia que o relógio biológico é implacável, resolveu procurar uma clínica de reprodução assistida para aumentar as chances de engravidar no futuro. Optou por congelar 11 de seus óvulos para usá-los mais tarde. No ano passado, veio a vontade de ser mãe. Quatro dos 11 óvulos que haviam sido congelados foram fecundados e implantados no útero de Zélia. Desses embriões, um sobreviveu e, em dezembro passado, nasceu Júlia, fazendo de Zélia mãe aos 41 anos.

O congelamento de óvulos é uma das duas grandes novidades na área de reprodução para mulheres acima de 40 anos. A outra consiste na transferência de citoplasma de mulheres jovens para óvulos de mulheres mais velhas. Os dois tratamentos começaram a ser aplicados de três anos para cá e são a primeira boa notícia para quem quer ter filhos em idade avançada. Desde o nascimento da inglesa Louise Brown em 1978, o primeiro bebê de proveta do mundo, a ciência evoluiu bastante em se tratando de reprodução humana. Se no início apenas mulheres com problemas tubários eram beneficiadas, nos últimos anos as clínicas também conquistaram vitórias importantes no combate à infertilidade por conta da idade. Apesar de nascer com 2 milhões de células em seu ovário, aos 27 anos a mulher já começa a apresentar declínio na fertilidade. Aos 40, metade dos óvulos são cromossomicamente anormais. Aos 42, 85% estão envelhecidos, e a chance de se ter uma gravidez sem ajuda médica é bem pequena.

O que a técnica que ajudou Zélia a conceber Júlia faz é justamente minimizar os problemas decorrentes do envelhecimento. Ao congelar seus 11 óvulos, a administradora capixaba evitou que continuassem se degenerando. A tecnologia de transferência de citoplasma atua de uma forma diferente. O método ""turbina"" o óvulo da mãe mais velha com a adição do citoplasma do óvulo de uma doadora jovem para aumentar as chances de fecundação. Um dos maiores especialistas em reprodução humana do país, o andrologista paulista Roger Abdelmassih já aplicou o método com sucesso em aproximadamente cem mulheres acima de 35 anos. A paulista Gisela Negrão, 46, é uma delas. Mãe de dois filhos adolescentes, Gisela resolveu engravidar de novo depois que perdeu um deles num acidente de carro em 1999. ""Achei que a minha família tinha ficado pequena. Não que outro filho fosse substituir o que morreu, mas adoro ser mãe"", diz. Ela e o marido foram à clínica de Abdelmassih em abril de 2000. Em junho, após Gisela ter tomado dezenas de injeções de hormônio para que seus óvulos pudessem ser coletados, o médico fez a primeira tentativa de inseminação. Como não deu certo, Adbelmassih sugeriu que o casal tentasse a transferência de citoplasma para melhorar a qualidade dos óvulos e, assim, aumentar as chances de fecundação. Dois embriões foram implantados no útero de Gisela e, em março do ano passado, nasceu Bruno.

As chances de a mulher com mais de 40 engravidar também aumentaram por conta do aperfeiçoamento ocorrido dentro dos laboratórios. Hoje, os meios de cultura usados para conservar os embriões permitem que eles fiquem mais tempo in vitro antes da transferência para o útero. Sem tanta pressa, os médicos conseguem selecionar com precisão os embriões que têm mais chances de serem implantados. Com a ajuda da engenharia genética, também foram criados medicamentos mais eficientes para estimular a ovulação da paciente.

Embora sejam as técnicas mais avançadas na área de infertilidade feminina, o congelamento de óvulos e a transferência de citoplasma ainda encontram resistência de alguns médicos que consideram necessários mais testes para garantir a segurança desses métodos. Um dos problemas com a transferência de citoplasma é que ainda há dúvidas sobre o risco eventual de parte do DNA da doadora ser repassado ao bebê. ""Isso é bobagem. O que determina a transmissão genética é o núcleo do óvulo. Mesmo que haja traços de DNA no citoplasma, ele não é repassado à criança"", diz Abdelmassih. Há outro problema. Nos Estados Unidos, o governo decidiu suspender a aplicação da técnica depois que duas crianças nasceram com uma anomalia conhecida como Síndrome de Turner, uma desordem cromossomial que causa deformidades físicas. Trata-se de uma medida preventiva já que não há comprovação nenhuma de que a transferência de citoplasma tenha sido a causadora da doença.

O congelamento de óvulos também não foi integralmente adotado pela comunidade médica. Mas o motivo é de outra natureza. Ao contrário dos embriões, que são congelados e descongelados com facilidade, o óvulo é uma célula muito grande e sofre quando submetido a baixas temperaturas. ""Na hora em que é descongelado, há grandes riscos de a célula se romper"", explica o embriologista Hamilton Martin, um dos responsáveis pelo sucesso da gravidez de Zélia. Dos 11 óvulos que a administradora de Vitória congelou, apenas cinco sobreviveram ao processo de descongelamento. ""É uma batalha, mas a técnica está sendo aperfeiçoada a cada dia"", diz Martin. A notícia é boa e não apenas para mães tardias. O congelamento de óvulo também ajuda a resolver o problema da mulher que tem de se submeter a quimioterapia ou radioterapia para curar cânceres. Como esses procedimentos podem destruir o tecido ovariano, se a paciente quiser ter filhos, o ideal é que congele alguns óvulos antes de começar o tratamento. ""Se a mulher tiver seus óvulos congelados, depois de curada, poderá ser mãe normalmente"", afirma o diretor do Centro de Reprodução Humana Huntigton, Márcio Coslovsky.

Além de os métodos recém-implantados estarem sendo aperfeiçoados, novas técnicas começam a ser testadas em laboratório. Alguns médicos estão tentando desenvolver tecnologia capaz de transformar células do ovário em óvulos maduros. Se conseguirem, em vez de congelar o óvulo, os médicos pretendem congelar o tecido ovariano, bem mais resistente. Desde o ano retrasado, Abdelmassih tenta algo ainda mais ambicioso: fabricar um óvulo a partir de células de qualquer parte do corpo da paciente, processo chamado de aplodização. A idéia, meio maluca, permitiria que mulheres de qualquer idade gerassem bebês com óvulos ""recém-fabricados"". Nos testes de laboratório, a equipe de Abdelmassih já conseguiu fecundar um óvulo de paciente criado dessa forma, mas o embrião teve de ser descartado porque ninguém sabe como a gravidez iria evoluir. Em parceria com a USP, os médicos testaram o procedimento em vacas, mas os animais abortaram. Agora, o método está sendo experimentado em camundongos. ""Ainda não posso falar sobre isso, mas acredito que o futuro é promissor"", anima-se. É esperar para ver.

Crédito:Anna Beth

Autor:Daniella Gleiser

Fonte:Domingo - Jornal do Brasil