Rio de Janeiro, 28 de Março de 2024

As mentiras do sexo

As mentiras do sexo

Acreditar que tem que transar todo dia; desistir do prazer porque passou dos 40 anos ou não tem um corpo perfeito: eis algumas idéias que passam pela cabeça de todo mundo e que precisam ser revistas urgentemente. Aqui, um psicólogo aponta os equívocos embutidos nelas. Os depoimentos de homens e mulheres, influenciados por tais crenças, revelam o quanto elas podem atrapalhar a vida sexual e afetiva.

Sexo também se faz com a cabeça: o prazer tem tudo a ver com aquilo que cada um pensa. E muita gente deixa de desfrutar a vida sexual em sua plenitude por acreditar em valores duvidosos. Para complicar, a mídia está cheia de performances espetaculares, orgasmos múltiplos e paixões incendiárias. Adotar essas imagens como parâmetros ou metas torna-se fonte de sofrimento pois, na comparação, qualquer mortal se sente um fracasso. "Isso provoca sentimentos de inadequação e nos leva a pensar que os outros têm uma vida sexual melhor do que a nossa", afirma o psicólogo Ângelo Monesi, diretor do Instituto Paulista de Sexualidade. Uma crença em voga é que a satisfação sexual depende de sermos jovens, "quentes" e ter o corpo sempre em forma. Isso não é verdade. As pessoas envelhecem, têm problemas, períodos de tristeza, olheiras, e a maioria tem um corpo real, e não ideal. Isso não é sinal de incompetência, mas de humanidade. E tanto a realização pessoal quanto o prazer sexual são humanos – não é necessário atingir a perfeição física ou o status de semideus para conquistá-los.

 

"Todo mundo está transando mais do que eu"

O EQUÍVOCO
Imaginar que todo mundo é atleta sexual e se sentir inferiorizado na comparação.


"Eu e minha mulher fazemos amor cerca de duas vezes por semana, desde que nos casamos, há cinco anos. Para nós essa média é ótima. Ela nunca reclamou, mas às vezes me acho sossegado demais, pois ouço falar de caras que dão três, quatro por noite, ou então que transam todo dia. Dizem também que as mulheres adoram esse tipo de performance, curtem os homens bem tarados. Nossas relações são uma delícia, cheias de carinho e tesão. Mas confesso que fico meio incomodado quando ouço outros homens contarem suas proezas. Leio uma revista de esportes que toda semana publica uma entrevista picante com um jogador de futebol, e eles sempre se colocam como super-homens. Sabe o estilo Romário? Metade pode ser balela, mas acabo me comparando e me sinto meio inferiorizado. Neste ano, algumas vezes perdi a ereção durante a relação. Corri para o médico: ele me tranqüilizou, disse que era só estresse e me receitou uma versão mais moderna do Viagra. Relutei, mas acabei tomando duas vezes. Graças a Deus o problema logo sumiu, era só minha cabeça mesmo."

P. R. S., 29 anos, publicitário, casado



"Sexo resolve tudo"

O EQUÍVOCO
Gostar de sexo é natural. O problema é idealizar o sexo, transferindo para ele todas as expectativas de realização pessoal. A auto-estima da pessoa fica vulnerável, pois depende completamente do desejo do outro.

"Preciso de sexo para me sentir bem. Ele me enche de vitalidade, melhora minha auto-estima, faz com que eu me sinta mais bonita. Sou casada há nove anos, mas meu marido não satisfaz minha necessidade de sexo e se contenta com apenas uma relação por semana. Acabei me envolvendo com outro homem. Chegamos a transar três vezes em cada encontro. Eu acho delicioso poder ter sempre muitos orgasmos. É claro que existem outros parâmetros para a gente medir o grau de felicidade na vida, mas sexo é muito importante para mim. Quando passo uma semana sem transar, fico muito irritada e tenho dor de cabeça."

C. M. F. L., 38 anos, representante comercial, casada

"Sou movido a sexo, preciso dele para ficar bem. Sou homossexual e não tenho parceiros fixos, só casuais. Gosto de transar sempre, e com gente diferente. Quando estou em paz comigo mesmo, equilibrado, me contento com duas ou três relações por semana. Mas se estou estressado ou deprimido, quero sexo todos os dias. Nos momentos em que estou concentrado no prazer, esqueço problemas, contas, pressões, tudo. Para mim, sexo é combustível e preciso estar sempre me reabastecendo para poder viver."

M. E. V. S., 37 anos, assistente financeiro, solteiro

As crenças e neuras que rondam a sexualidade são realimentadas no convívio social e também podem ter origem na própria vivência pessoal, devido a relacionamentos decepcionantes. O círculo fica vicioso pois as pessoas esquecem que cada novo relacionamento traz a chance da transformação e os problemas não precisam se repetir eternamente. Mesmo pessoas bem informadas podem ser influenciadas por estereótipos sexuais. Mas, só de refletir e questionar tais pensamentos, as atitudes também mudam – essa é a tese de Sheree Conrad e Michael Milburn, autores de "Inteligência Sexual" (Ed. Objetiva). Os especialistas defendem que nosso "QI sexual" está em baixa. Todos temos muito a "desaprender" – desprezando velhas crenças que emperram o fluxo de energia e criatividade ligado ao sexo, e apostando nos aprendizados que favoreçam uma relação mais interessante consigo mesmo e com o outro.

 

De perto ninguém é normal

"A mídia influencia muito ao enaltecer determinados comportamentos sexuais", diz o psicólogo Ângelo Monesi. Para ele, mesmo as reportagens que se propõem a informar, divulgando estatísticas sobre freqüência sexual, tamanho do pênis e quantidade de orgasmos, por exemplo, acabam produzindo o efeito contrário. "As pessoas tomam as médias como parâmetros de "normalidade", sobrepondo-os a seus limites pessoais", explica o psicólogo. "Ao descobrir que a média brasileira é de duas relações semanais, por exemplo, quem faz sexo uma vez só pensa que tem problemas", diz.

Monesi lembra que o fundamental é a sintonia entre os parceiros. "Se sexo a cada 15 dias é satisfatório para ambos, nem se discute o que é ou não é normal", continua. Os valores mudam com o passar do tempo, observa o psicólogo. "Homens na faixa dos 40 ou 50 anos cresceram acreditando que o tamanho do pênis era o atributo mais importante para satisfazer as mulheres." O mito do bem-dotado ainda persiste, mas, segundo o psicólogo, os homens das novas gerações sabem que é preciso mais do que um pênis grande para ser bom de cama. Hoje, homens e mulheres têm um interesse maior pela qualidade da relação e pelo conhecimento do corpo do outro. O especialista acredita que o problema básico de ambos é imaginar que outros fazem sexo melhor do que eles. "No fundo, o que angustia é o medo da comparação." E quem tem problemas de auto-estima está sempre mais vulnerável a essa angústia.


"Masturbação é para quem não consegue um par"

O EQUÍVOCO
Pensar que sexo com parceiro e masturbação são práticas excludentes. Ambas podem trazer prazer e, desde que a pessoa esteja satisfeita, nenhuma é motivo de culpa ou problema.

"Já fiquei até três meses sem transar. Não que eu seja desinteressante. Pelo contrário, acho que sou atraente. O problema é que o trabalho me estressa tanto que nem vou à luta. Daí me masturbo, às vezes até diariamente. Mas me sinto um pouco culpado, parece que é falta de competência em me relacionar com alguém. A masturbação descarrega a tensão, porém fico com a sensação de que estou fazendo sozinho o que poderia fazer melhor com uma mulher. Mas como não costumo ter parceira fixa, acho complicado ter que xavecar, ir ao cinema... Dependendo da mulher, demora muito até chegar à cama."

M. H. T., 33 anos, empresário, solteiro



"Meu corpo não é suficientemente bom"

O EQUÍVOCO
Ter como modelo a perfeição e sentir vergonha do próprio corpo quando ele está fora do padrão vigente. Mesmo pessoas sem nenhum problema estético, e até algumas que são notoriamente belas, podem ser vítimas desse mito.

"Estou 5 quilos acima do meu peso, me acho gorda e não me sinto à vontade na cama. Prefiro transar no escuro, ou à meia-luz, e evito posições que destacam a barriga. Eu tinha medidas perfeitas, cheguei a trabalhar como manequim. Há cinco anos fiz uma cirurgia e comecei a reposição hormonal, o que me deixa inchada e com celulite. Tenho quase 40 anos, não quero ter corpinho de 18, mas vivemos num país que valoriza demais o físico, isso gera uma autocobrança exagerada. Nem sei se os homens realmente reparam tanto assim nas imperfeições femininas, fico com a impressão de que quase tudo é paranóia nossa."

R. B., 39 anos, coordenadora de eventos, separada

"Sempre fui magro, nunca me enquadrei no padrão do homem gostoso. Na paquera, via que os fortes tinham mais sucesso do que eu, mesmo que fossem mais feios de rosto. Isso me frustrava. Ainda hoje fico inseguro. Quando se tem oportunidade de conversar, é possível mostrar outras qualidades além dos atributos físicos, mas no flerte o que vale é o corpo. Isso acaba com a auto-estima, pois começamos a nos sentir do jeito que achamos que as pessoas nos vêem. Com 20 anos, comecei a malhar e tomar vitaminas. Quase vomitava, mas engordei e fiquei mais confiante. Mas, quando parei, voltei ao meu peso normal. A maturidade me deixou mais seletivo e interessado em outros valores, mas ainda me sinto rejeitado por não ter a beleza padrão. Não sou imune à mídia narcisista, que destaca o bonitão musculoso, apesar de gostar de ser valorizado pelo caráter, pelo charme e pela conversa boa."

P. L., 38 anos, bioquímico, solteiro

 

No caso das mulheres, a supervalorização do orgasmo rende até hoje muita especulação. "Primeiro, a mulher ouve que bom é o orgasmo vaginal com penetração; depois, que ele deve ser simultâneo com o parceiro; depois, que não basta um orgasmo, é preciso que sejam múltiplos. Então acredita que deve correr atrás dessa performance", diz Monesi. Resultado: a mulher não relaxa, não brinca, não se sente a supermulher que acha que devia ser... e isso só atrapalha o seu prazer.

Para se fortalecer contra os clichês, o sexólogo sugere investir no autoconhecimento e cultivar a auto-aceitação. Tudo o que enriquece a vida e amplia a sensibilidade pode ajudar: da meditação à leitura de bons livros e ao aconselhamento com pessoas mais experientes. Nas situações mais graves, as vítimas das crenças sexuais costumam sofrer de depressão e falta de amor-próprio, que comprometem sua qualidade de vida e a confiança na possibilidade de alegria. Nesses casos, uma terapia pode ser útil. Afinal, os comportamentos e as idéias rígidas são exatamente o contrário do erotismo: eles são paralisantes e tendem à repetição, enquanto a natureza da sexualidade está ligada à flexibilidade, ao movimento e à permanente criatividade.

Veja ao longo desta reportagem alguns depoimentos influenciados por mitos que atrapalham o prazer: todos contêm equívocos, apontados e comentados pelo psicólogo Ângelo Monesi, e alguns mitos foram retirados do livro "Inteligência Sexual". Conhecer as crenças é o primeiro passo para quem quer parar de acreditar nelas – ou no mínimo desconfiar.


"Quem tem mais de 40 anos tem dificuldade de arrumar parceiros"

O EQUÍVOCO
Ter preconceitos em relação à maturidade ou à velhice, valorizando apenas a juventude e acreditando que sexo é melhor nessa fase. Embora o organismo mude com a idade, a capacidade de se relacionar e sentir prazer não depende apenas da idade, e sim da qualidade de vida. Quem tem equilíbrio físico e emocional tem mais disposição para se arriscar em busca de novos parceiros.

"Quando me comparo a homens mais novos, confesso que sinto uma certa inveja. Estou ficando flácido, mas não tenho a menor paciência para fazer musculação, acho chato, fico adiando, deixo para amanhã. Tenho 41 anos e acho que já ultrapassei meu pico de vida: daqui para a frente, a decadência do corpo só tende a se acentuar. Sei que o grande atributo que as pessoas buscam, hoje, é a beleza física. Eu mesmo me sinto extremamente atraído por ela. Mas também não consigo me considerar atraente para mulheres jovens que, dizem, gostam dos quarentões. Quase nunca considero a possibilidade de alguém mais novo se interessar por mim. Acho que é mais uma questão de falta de auto-estima."

L. N., 41 anos, professor universitário, solteiro

"Muitos homens querem mulheres mais jovens para afirmar a masculini- dade. Quando me separei de meu companheiro, há alguns anos, ele tinha 46 anos e logo foi morar com uma garota de 21; hoje, com 50, está com uma mulher 17 anos mais nova. Mas não se pode censurá-los, pois também tem muita mulher oportunista. Os caras legais estão com receio de se relacionar, acham que toda mulher vai aprontar. Quando me separei, sentia mais falta de sexo, depois fui me acostumando. Depois dos 40 anos, isso deixa de ser prioridade, a gente vai ficando mais acomodada, perde o gás. A última vez que fiz sexo faz uns cinco meses. Mas, quando achar um parceiro do jeito que quero, a chama do tesão vai se acender de novo."

L. A. M., 45 anos, bióloga, solteira



"Não querer transar é sinal de que algo não vai bem"

O EQUÍVOCO
Acreditar que "o certo é transar sempre". A baixa de libido constante pode ser de fato um problema físico ou emocional, mas uma alteração temporária também pode ser simplesmente um sinal de que a pessoa está cansada, ou temporariamente mobilizada para outras áreas da vida.

"Sou ativo sexualmente, mas de vez em quando perco a vontade e fico uma semana sem nem pensar no assunto. Acho estranho quando isso acontece, pois no meu ritmo normal estou sempre atrás de alguma transa, fico mexendo com as mulheres, passando cantadas, até mesmo no trabalho. Se não tenho namorada, me masturbo com freqüência. Mas a libido costuma baixar mais ou menos uma vez por mês. Não chego a ficar encanado, mas muitas vezes me culpo pela abstinência, achando que deveria ficar mais ligado. Então corro atrás de alguém para transar, telefono para amigas ou antigas namoradas. Às vezes, é só para botar o organismo para funcionar."

O. M. B., 26 anos, gerente de banco, solteiro

"De vez em quando passo até 20 dias sem manter relações com meu marido, com quem estou casada há seis anos. Se tenho trabalho acumulado, levo para casa e fico até tarde mergulhada nos projetos. Quando vou deitar, ele já está dormindo há horas. Às vezes penso que poderia acordá-lo para transar, não tenho dúvida de que ele se mostraria disposto, mas acabo não chamando. Ele não me cobra, até leva na brincadeira. Eu é que me cobro por essa falta de tesão, acho que não combina com o papel de mulher casada. Às vezes, me dá vontade de sexo em horas impossíveis, tipo no meio da tarde... O trabalho me dá muito prazer, mas desconfio que não deveria deixar que ele interferisse tanto em minha vida sexual."

A. G., 29 anos, assessora de marketing, casada

Crédito:Fatima Nazareth

Autor:Hanna C. Dixon

Fonte:Universo da Mulher