Rio de Janeiro, 24 de Abril de 2024

A classe média vai ao paraíso

A classe média vai ao paraíso
A psicóloga Nadja Lordello encontrou a felicidade nos braços do pedreiro Flávio. A produtora Vania Mourão trocou um casamento estável pela luz que viu nos olhos do pescador Nicanor. Mas por que será que mulheres bem-sucedidas, a maioria delas mais velhas do que seus parceiros, estão descobrindo mais e mais encantos nesses homens rústicos a ponto de romper compromissos duradouros e assumir relações, digamos, instigantes? Seria um ímpeto dominador, desejo de proteção ou uma forma intuitiva de superar as sombrias estatísticas do IBGE (no Brasil existem 83 milhões de homens para 86 milhões de mulheres)? Tirando os velhos, os casados e os gays sobra muito pouco. Para o psicanalista Alberto Goldin, as mulheres estão apenas negociando com a dura realidade dos números.

— É melhor ter um jovem pedreiro ou pescador satisfeito do que um velho sofisticado, culto e insatisfeito — aconselha Goldin.

Nesta reportagem do jornal "O Globo", as histórias de amor dessas mulheres.

 
O amor rústico é mais intenso


Stéphanie de Mônaco é uma mulher sintonizada com seu tempo. Depois de casar e ser traída por seu ex-segurança Daniel Ducruet, a princesa atirou-se nos braços de um domador de leões. Mas esses amores que só aconteciam com princesas ou estrelas de cinema estão mais freqüentes estimulados por militantes ilustres como a apresentadora Ana Maria Braga que optou pelos braços fortes do ex-segurança Carlos Madrulha.

O amor entre mulheres ricas e homens pobres sempre povoou romances, peças e novelas — agora mesmo, em “O Clone”, a milionária Mel (Débora Falabela) trocou tudo pelo quitinete do motorista Xande (Marcelo Novaes). Mas agora este tipo de paixão tomou conta do universo da mulher de classe média.

Como Vania Mourão, de 44 anos, que conheceu o pescador Nicanor Rosa de Bulhões há 10 anos, em Parati, quando trabalhava como figurinista na novela “Mulheres de areia”. Estava no segundo casamento, uma ótima relação mas não o suficiente para reprimir a paixão fulminante: Vania tinha 34 anos de idade, Nicanor, 31.

— Nunca poderia imaginar que me apaixonaria novamente. Mas, quando olhei o Nicanor, fiquei impactada com a luz que havia em torno dele.

O casamento de Vania acabou e ela decidiu viver com Nicanor. Compraram até um barco juntos. Uma relação “maravilhosa” que durou oito anos da qual nasceu Tabatha.

— No início, quando ele estava na minha casa não gostava de ir na sala. Ficava tímido diante da minha família. Aos poucos, ficou mais seguro.

Depois de alguns anos de convivência, o descompromisso de Nicanor, que tanto atraiu Vania, começou a incomodar.

— Se um pescador vai para o mar e a rede não tem peixe, ele não fica reclamando da vida. Ele volta tão leve quanto foi, esperando o outro dia. Não é como a gente que, se trabalha e não ganha, fica louca. Eu gostaria de continuar vivendo assim mas depois do nascimento da minha filha não consegui mais. A frustração de pessoas como o Nicanor não é vivida diariamente como a da gente. Ele é um homem da natureza e eu fui uma grande poesia nessa história.

Acesso a um mundo proibido


Na entrevista Vania se emociona. Dias depois me envia um e-mail: “Fiquei pensando o que teria realmente nos separado e descobri que fui me tornando um ser cada vez mais urbano, pós-industrial e ele, um ser cada vez mais natural e ancestral.” O psicanalista Alberto Goldin diz que as pessoas atualmente procuram códigos mais claros:

— E o homem rústico agrada porque tem essa linguagem. Ele gosta ou não gosta, ama ou não ama, não há meio-termo.

Goldin diz que, neste tipo de relação, os dois saem lucrando e melhoram as respectivas auto-estimas. As mulheres de meia-idade, que geralmente são menosprezadas pelos homens de seu próprio meio que só têm olhos para garotinhas ou para os padrões de beleza estabelecidos. E os, digamos assim, homens rústicos que, através da mulher que admiram, têm acesso a um mundo geralmente proibido.

A história de Nadja Lordello tem um final feliz. Psicóloga, ex-moradora do Leblon, ela casou aos 23 anos com um intelectual. Um ano depois estava separada. O namoro com o pedreiro Flávio Rodrigues, seis anos mais jovem, começou em Barra de São João:

— Vi o Flávio pela primeira vez num bar e o levei para casa. Ficamos apaixonados. No dia seguinte fui à casa da mãe dele e o pedi em casamento — conta Nadja.

Na pequena casa de praia, com redes, quadros espalhados pelas paredes e com os gatos Tiziu e Bichinho, eles vivem uma história de amor:

— O Flávio é muito carinhoso. Ele é delicado com todo mundo. Isso fez com que a minha família o aceitasse.

Ela conta que os dois aprenderam muito um com o outro.

— Flávio ficou receptivo ao entrar em contato com alguns detalhes mais sofisticados que não conhecia: como usar corretamente talheres e copos e a escolher os vinhos certos. Eu aprendi muito com ele: a fazer chá de mato e a usar remédio de folhas. Com isso passei a ver diferente a natureza.

Ela lembra que só na hora de assistir a filmes na televisão surge um problema:

— Como ele só tem até a quarta série primária não consegue acompanhar os filmes na Sky porque as legendas passam rápido demais.

Até as diferenças salariais, o amor superou.

— Ele ganha muito menos do que eu. O dinheiro dele é o pocket money . Dá para pão, carne, leite mas os encargos ficam por minha conta. Não deixo ele gastar o que ganha na casa. Como o Flávio está com artrose, investe tudo o que ganha construindo casas para alugar. Ele só não aceita que eu me envolva no trabalho dele. Quando me chama para ver as obras, não aceita meus palpites pois sabe que entende do que faz melhor do que eu.

Recém-separada, três filhos, dona de uma academia, a nutricionista Adriana Oliveira, de 51 anos, espera que seu romance com o professor de dança Ivo Fraga, um baiano sarado de 32 anos, tenha um final feliz como o de Nadja.

— Quando conheci Ivo, estava saindo de um casamento e me sentindo muito só.

Ivo, que mora em Alcântara, está prestes a se mudar para o apartamento na Zona Sul que Adriana está comprando.

— Ele vive com um amigo e quando nos encontramos, transamos no chão. Agora isso vai acabar. Nossa cama é maravilhosa e apesar de o corpo ter total sintonia, o relacionamento também é muito cabeça pois ele me admira.

Uma das filhas de Adriana já soube do romance e arrasou com a mãe. Ela acha que o pai vai ter um ataque e a mãe um “perequeté”. Mas diz que não vai desistir pois vale a pena:

— O homem socialmente igual está preso a outros valores. Vive cobrando, não te dá o menor carinho, não fala que te ama. Pessoas como o Ivo são claras e espontâneas.

Com Maria Oliveira, 55 anos, a história tem um gosto amargo. Professora de física também casada com um professor, ela conheceu Rivan, dono de um quiosque. A separação de Maria foi inevitável. Ela e Rivan ficaram juntos 11 anos:

— A primeira vez que transamos foi linda. Era madrugada, lua cheia, ele me convidou para um mergulho e segurou a minha mão. Quando olhei para o mar vi um cardume de sardinhas prateadas e, mais adiante, um bando de anêmonas cor-de-rosa. Senti-me em outra galáxia.

Mas as diferenças acabaram minando a relação. Com o tempo, compraram uma casinha em Itamonte, em Minas, onde, segundo Maria, viveram momentos inesquecíveis:

— Eu admirava o Rivan profundamente. A casa dele não tinha chave, ele comia peixe com a mão. Vivemos momentos felizes mas acho que ele tinha um bloqueio comigo. Outro dia fui a Itamonte e vi que a casa estava com objetos da atual mulher. Chorei muito.

Também foram as diferenças que aproximaram a psicóloga Lívia Maria, de 48 anos, de seu motorista, Luís Carlos, que largaram seus respectivos parceiros para viver uma história que já dura dez anos.

— No começo estranhei um pouco mas, como tivemos uma convivência muita próxima nos tempos de patroa e empregado, fomos nos ajustando um ao outro. Ele passou a ler mais, melhorou a linguagem, a maneira de falar e de se vestir. Eu fiquei menos preconceituosa e procurei me aproximar mais dos gostos dele — diz Lívia, que foi criada numa cobertura na Zona Sul do Rio.

A família dela não se conforma. Tanto que o casal decidiu viver em outro estado.

— Só recebemos a visita de uma de minhas irmãs e de meu filho. O resto da família ignora a nossa união.

A psicóloga Angelina Pataxó entende mulheres como Lívia.

— Ser feliz é a prioridade dessas mulheres.

A produtora Alzira Andrade aposta na tal felicidade. Há um mês assumiu um romance com o mestre-de-obras Aylton Ramos, seis anos mais novo, que ela já conhecia há anos quando passava e ele dizia, insinuante: “Bom dia, madame”.

— Sempre rolou um clima mas nunca admiti. Logo eu, que sempre pensei que era livre, descobri que era vítima do meu próprio preconceito. Quando me dei conta disso fiquei apavorada. Assumir essa relação foi uma vitória como ser humano.

Com o tempo, Alzira passou a perceber no Opala de vidro rayban do namorado, que foram as diferenças que a atraíram:

— A diferença é algo que dá prazer. Dentro deste tipo de relação a diferença é tão brutal que não há espaço para disputas, as pessoas vivem apenas o sentimento. Ele me acha maravilhosa e isso dá uma levantada no ego. Há espaço para mais carinho e mais afeto. É uma troca muito genuína.

Crédito:Fátima Nazareth

Autor:Elisabeth Orsini

Fonte:O Globo