Rio de Janeiro, 29 de Março de 2024

Você é o que você carrega

Você é o que você carrega
 
Você é o que você carrega - (dentro ou fora de si)
 
Semana passada resolvi comprar uma bolsa nova. A minha, de tão gasta, parecia uma reunião de uvas passas. Particularmente não sou muito fã de shopping (sim, sou a prova viva que nem toda mulher gosta de olhar vitrines), mas diante da situação em que se encontrava minha finada bolsa, não tinha escolha. E lá fui eu.
 
Loja vai, loja vem, milhões de bolsas diferentes pareciam tentar o suicídio rumo ao meu colo. E a vendedora era cúmplice neste crime. Passavam-se os minutos e a indecisão permanecia. Pretas, marrons, caramelo, cor de burro quando foge, com fivela, sem fivela, cabe um bonde, para carregar no dedo mindinho... Pareciam não ter fim. Mas não poderia sair dali sem uma nova. Foi aí que percebi uma escondidinha, lá no canto, mas bem lá no alto da prateleira. Era ela. Bonita, tamanho médio, nem clara, nem escura. Parecia conter todos os atributos que precisava.
 
Pedi à vendedora para vê-la de perto. Quem sabe não encontrasse um pão bolorento dentro daquela bela viola. Mas para a minha surpresa era tão bela por dentro quanto por fora. Perguntei o preço – um pouco salgado, mas parecia valer a pena. Resolvi levá-la.
 
Ao meu lado estava outra compradora. Parecia mais indecisa do que eu, pois levava ao todo três bolsas. Todas do mesmo estilo, variando apenas a cor. Conversa vai... me diz que todo mês visitava o shopping à procura de novas bolsas. “Sabe como é, minha filha, elas saem de moda muito rápido. E ninguém quer andar por aí com uma bolsa das antigas, não é mesmo?”.
 
Ugh!
 
Se dependesse disso, minha coleção de uvas passas seria o maior desastre da década. “Pois é, você sabe, a bolsa reflete a dona”, completava a senhora olhando com um sinal de aprovação à minha escolha. E foi aí que percebi que ela tinha razão. É só por o pé para fora de casa para notar a imensidão de formas, cores e modelos diferentes que são levados no molejo e na graça das mulheres.
 
Vestimentas, sapatos, sonhos, desejos se misturam e formam um ser tão povoado de materiais que se confundem mesmo com seus acessórios inseparáveis, as próprias bolsas. Nelas a essência nunca é a mesma. Mudam-se as posições dos objetos, retira-se um ou outro conteúdo, mas logo se substitui por outro. A aparência também é mutável. Vez por outra ganha um enfeite ou uma nova pintura e segue seu rumo por caminhos incertos.
 
Embora não seja carregada a tiracolo (!), a mulher leva na essência a busca por novas metas, novos conteúdos culturais, familiares, sentimentais e junto a isso carrega desejos e aspirações, na luta bela e incessante por ser Mulher.
 
Por dentro um turbilhão de sensações, sentimentos e pensamentos são cruzados com outros milhões de dúvidas, anseios, medos e verdades. Por fora as impressões destas emoções.
 
Na textura da pele, no cheiro, no jeito, assim como seu acessório preferido, a mulher deixa transparecer o que carrega dentro de si. E não é que a senhora tinha verdade?
 
Levando três bolsas do mesmo modelo, ela parecia querer ter certeza de quem era (ou nem ela mesma sabia). O que colocaria lá dentro - se é que chegaria a utilizar as três antes mesmo da nova temporada - não parecia importar. A beleza era fundamental. E como bem sabemos, é fato inegável também na cultura brasileira, e do mundo, em geral.
 
O conteúdo?
 
Ah, isso por enquanto era detalhe.
 
Seria formado com o tempo, mas que a beleza era ponto incontestável, isso sim.
 
Depois deste turbilhão de idéias olhei bem para a minha quase mais nova aquisição. Era linda e parecia sorrir para mim. Era só pagar e poder levá-la para casa. Poderia ostentar para todos os cantos: Minha nova e bela bolsa.
 
Enquanto isso, a tiracolo, minha coleção de uvinhas parecia sentir a troca. Dava a impressão de se encolher, ainda mais, quase se tornando uma uva mor. Meses junto a mim, vivendo minhas experiências, paixões, viagens, tentativas de assalto (!), sessões de cinema perdidas, comemorações de aniversário, casamento, nascimento de bebês...Era engraçado como parecia mesmo me refletir.
 
Por fora, simples, pequenina. Por dentro, cheia de confusões, lembranças, histórias...Pensando bem... Que me perdoem os críticos e os estilistas, mas um conteúdo vale muito e muito mais do que um modelo estético.
 
O que seriam alguns meses a mais?
 
Uma uvinha, afinal, não estragaria tão fácil.
 
Quem sabe não se tornaria um bom “vinho”. Deixei a senhora com sua tripla crise de identidade, a vendedora cúmplice dos crimes e o meu novo “Eu” na prateleira. E fomos.
 
Talvez ainda desse tempo de pegar a sessão das 6...
 
 
 

Crédito:Mayara Paz

Autor:Mayara Paz

Fonte:Universo da Mulher