Rio de Janeiro, 16 de Maio de 2024

Óvulo turbinado

Uma nova técnica de rejuvenescimento de óvulos aplicada por cientistas de São Paulo está provocando uma revolução, e muita polêmica, nos tratamentos de reprodução humana. Se, por um lado, esta é a opção para muitas mulheres com mais de 35 anos que desejam engravidar com um óvulo próprio e ter um filho com as suas características genéticas, por outro lado, a técnica é criticada por especialistas da área, que questionam sua segurança. O método recupera o potencial genético do óvulo de uma mulher mais velha, graças a uma injeção de jovialidade. Nele, é injetada
 
 
uma pequena quantidade do citoplasma de outro óvulo, retirado de uma mulher jovem. O material é carregado de enzimas, responsáveis por uma boa divisão celular e, conseqüentemente, por um embrião saudável. Especialistas em reprodução humana argumentam que as alterações de citoplasma aumentam o risco de se desenvolver doenças. A favor do tratamento, porém, há 150 crianças. Nenhuma, até agora, com problemas genéticos.
 
Técnica corrige anomalias e estimula gravidez

Trinta anos é o limite da idade ideal para as mulheres engravidarem. Depois, o número de óvulos cai consideravelmente — todo mês a mulher perde de 800 a mil óvulos — e há um envelhecimento celular: com 25 anos, de cada cem óvulos produzidos, de 12 a 15 estão alterados; com 40 anos, 85% dos óvulos têm alguma anormalidade. É importante lembrar, porém, que o envelhecimento dos gametas só ocorre na mulher. Os homens produzem novos espermatozóides durante toda a vida.

— A principal razão para a mulher não conseguir engravidar são as aberrações cromossômicas. São os erros de pareamento dos cromossomos nos óvulos e, posteriormente, nos embriões. Cerca de 90% dos embriões gerados por uma mulher de idade avançada não têm condições de sobreviver por apresentarem alguma alteração genética — diz o especialista em reprodução humana Roger Abdelmassih, da Clínica e Centro de Pesquisa em Reprodução Humana que leva o seu nome, em São Paulo, onde está sendo aplicada a técnica de rejuvenescimento de óvulos.

Com a injeção de citoplasma de uma doadora jovem, evita-se que haja erro no pareamento dos cromossomos. As enzimas, presentes neste citoplasma doado, serão introjetadas no óvulo, junto com o espermatozóide, por uma microagulha e vão restabelecer o mecanismo de distribuição cromossômica que estava danificado. Toda a fertilização, claro, é feita em laboratório.

Para Dmitri Dozortsev, responsável pelo laboratório da Clínica Abdelmassih e professor de Ginecologia e Obstetrícia da Wayne State University School of Medicine, em Detroit, EUA, a grande vantagem da técnica de rejuvenescimento é que a injeção de citoplasma do óvulo de uma doadora (anônima e selecionada pela clínica) não altera as características genéticas do embrião:

— A quantidade de citoplasma da doadora equivale a apenas 10% do citoplasma total do óvulo. A criança, com certeza, terá a genética da família.

Para Maria Clara, que há dois anos fez o tratamento, esta garantia foi decisiva. 

-Eu não queria pegar o óvulo de uma doadora. Teria para sempre a impressão de que o filho não era meu — conta ela, que tentou engravidar durante quatro anos antes de ter seu filho Gustavo, aos 44 anos. — Esta técnica de rejuvenescimento dos óvulos me salvou. Era a única possibilidade de eu ser mãe.

Para ter a garantia de que o embrião é saudável, faz-se a sua biópsia antes de ele ser implantado.

— Neste momento, pode-se fazer a avaliação genética do embrião e ver se há alteração. Com isso, garantimos que o bebê não terá anomalia genética — diz Abdelmassih.
 
 
 
DMITRI DOZORTSEV

Quantidade de DNA não interfere na herança genética

Dmitri Dozortsev, médico e cientista, especializado em embriologia e professor da Wayne State University School of Medicine (Detroit, EUA), veio ao Brasil (ele é russo mas trabalhava na Universidade de Ghent, na Bélgica) pela primeira vez em 1994. Voltou agora, em agosto, para desenvolver pesquisas na área de genética pré-implantacional e pré-concepção.

Qual a grande vantagem da técnica de rejuvenescimento de óvulos?

DMITRI DOZORTSEV: É melhorar o óvulo da mulher sem que ela precise do óvulo de uma doadora.

Esta inserção do citoplasma de um óvulo mais jovem não carrega informações genéticas da doadora? Por quê?

DMITRI DOZORTSEV: A quantidade de DNA introduzida no óvulo é tão pequena que não causa uma contribuição significante à herança genética.

Se é uma inserção tão pequena, por que causa uma melhoria grande no óvulo?

DMITRI DOZORTSEV: Quando um óvulo é fertilizado por um espermatozóide, os cromossomos devem ser distribuídos igualmente para as células do embrião. Esta distribuição é chamada de segregação e os erros neste processo são chamados de aberração. A maior razão para o fracasso de uma gravidez são as aberrações cromossômicas (erros de segregação) nos óvulos. As aberrações são mais freqüentes quanto mais velha é a mulher. Por exemplo, a trissomia do cromossomo 21 (que causa a síndrome de Down) aumenta em muito sua chance de aparecer: de 1 em 420 casos, quando a mulher tem 33 anos, para 1 em 75, com mulheres de 40 anos e 1 em 20, em mulheres de 45 anos. As pessoas têm 23 pares de cromossomos e os riscos de haver erros de segregação em cada par aumentam com o envelhecimento da mulher. Os cromossomos da mulher mais velha são normais e os erros de segregação têm ligação com a produção de óvulos. A doação de citoplasma faz com que óvulo velho rejuvenesça e volte a funcionar normalmente. As enzimas do citoplasma doado causam grande impacto na segregação, mesmo em pequena quantidade.

No que está técnica pode melhorar?

DMITRI DOZORTSEV: Há mais de 150 crianças nascidas por essa técnica, mas são necessários mais casos para melhorá-la e garantir sua segurança.
 
Especialistas criticam método

O especialista em reprodução humana Paulo Serafini, diretor da clínica paulista Huntington, especializada em reprodução assistida, é contrário ao rejuvenescimento de óvulos por transferência de citoplasma. Segundo ele, a técnica, proibida nos Estados Unidos, pode levar a alterações no sistema nervoso e problemas cardiovasculares:

— Ninguém sabe o que a introdução de DNA pode causar. Neste método, há transferência de DNA mitocondrial. Não se sabe o que vai ocorrer na célula. Sabe-se que a introdução de DNA causa mais de cem doenças, como convulsões permanentes e demência.

Para Abdelmassih, com a biópsia do embrião, pode-se ver a estrutura dos cromossomos e saber se houve alteração. Ele diz que todas as mulheres que se submeteram ao tratamento sabem que pode haver quantidade mínima de DNA da doadora no seu filho (que ficaria comprovada por exame de DNA), mas que não causa alteração física.

O presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida, Edson Borges, defende o uso da técnica para mulheres mais velhas que já se submeteram à fertilização in vitro diversas vezes sem sucesso.

— Pode ser a única possibilidade de esta mulher ser mãe. Há, no entanto, doenças que estão no DNA mitocondrial que se manifestam após a adolescência, como males neurológicos e Parkinson. Mas a probabilidade é mínima. Só vamos saber daqui a duas gerações — diz ele.

Para o presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana, Joaquim Lopes, o método consiste em transferência de genética: o embrião é um organismo geneticamente alterado.

— A lei brasileira proíbe a manipulação genética de células germinais humanas. Este método deveria ser proibido.

Abdelmassih rebate:

— Não estamos fazendo transferência genética. Isso só ocorreria se transferíssemos o núcleo do óvulo, e não 10% de citoplasma.
 

Crédito:Fatima Nazareth

Autor:Simone Intrator

Fonte:O Globo