Rio de Janeiro, 02 de Maio de 2024

Doenças mentais: preconceitos e crendices impedem as pessoas de procurar auxílio médico

Uns por absoluta falta de informação e recursos, e outros por receio de serem taxados de louco. O fato é que muita gente deixa de procurar apoio médico adequado para cuidar da saúde mental. Felizmente, o temor vai cedendo espaço à razão e hoje é bem maior o número daqueles que buscam auxílio para cuidar das doenças da mente, suas ou de algum parente ou familiar.

Não é incomum a gente ouvir que um doente mental está aprontando loucuras na praça, que um motorista irresponsável fez loucuras no trânsito da avenida, ou que um colega cometeu a loucura de raspar as economias reservadas para adquirir a sonhada casa própria e investiu na aquisição de um carrão esportivo. Afina, o que é loucura? Sinônimo de doença mental ou de comportamento fora do comum? Para responder a essa e outras questões referentes aos problemas aos problemas da mente, procuramos um profissional da área, o psiquiatra.

"Loucura é um termo sociológico", diz o psiquiatra. "Refere-se aos atos daqueles que são muito diferentes da maioria e que ao mesmo tempo são exagerados, ou pouco aceitos, ou inusitados".

De acordo com ele, uma pessoa pode dizer que cometeu uma loucura por ter saído numa tarde chuvosa, por ter exagerado na comida, se endividado para comprar aquele carro dos sonhos e assim por diante. Já a doença mental não se define apenas pelo comportamento exótico, ou ousado, ou inusitado.

"A doença mental se define sim pelo grau de sofrimento que acompanha estes comportamentos e emoções, tanto no que se refere ao indivíduo quanto a outras pessoas. Mesmo quando ele se dá conta de que está se comportando de modo muito inadequado ou impróprio, e que sofre por isto, muitas vezes não consegue mudar. Seu desempenho no trabalho e no relacionamento social diminui muito, não chegando mesmo a alcançar o que seria de esperar para sua idade. Suas emoções e seus comportamentos não são opções, são sintomas que, mesmo indesejados por ele próprio, não consegue alterar", explica o psiquiatra.

O médico esclarece que, algumas vezes, esta pessoa perde mesmo a noção de cuidar de si própria. Freqüentemente encontra-se uma relação entre esta situação e alguma alteração em seu próprio cérebro, seus hormônios ou na química de seu corpo, que é detectada pela história de sua doença, pela avaliação clínica ou por exames especializados, identificando, portanto, uma doença. Mesmo do ponto de vista psicológico, há traumas antigos ou recentes que podem alterar substancialmente a vida mental de uma pessoa, fazendo com que ela se torne extremamente infeliz.

Muitas vezes o termo doença mental não é usado para alterações e sofrimentos mais leves. Seu uso restringe-se apenas às alterações mais graves, acompanhadas de delírios e alucinações e outros sintomas que fazem com que o indivíduo distorça profundamente a realidade.

O psiquiatra observa que é verdade que a doença mental ainda é muito estigmatizante. E informa que há um programa da Associação Mundial de Psiquiatria, entidade à qual a Associação Brasileira de Psiquiatria - ABP está filiada, que envolve pessoas e instituições e que visa a combater o estigma em relação aos esquizofrênicos. As associações de familiares de pessoas que são usuárias dos serviços de saúde podem ser instrumentos eficazes para combater os estigmas sociais. "O rompimento do isolamento dos enfermos mentais, o estímulo aos trabalhos comunitários em substituição à exclusão, enfim, poder trabalhar com os aspectos mais sadios que eles possuem, têm resultados muito mais integradores do que reforçar o medo e a invalidez" afirma.

A Associação Brasileira de Psiquiatria - ABP oferece hoje, através do seu site: www.abpbrasil.com.br, um espaço chamado ABP Comunidade que traz textos e experiências de psiquiatras para a população sobre as principais doenças mentais, com informações bem simples sobre os sintomas, alternativas de tratamento dentre outras informações importantes. O objetivo é oferecer a população maiores informações sobre os transtornos. Sem se identificar, qualquer pessoa pode esclarecer suas dúvidas e até mesmo prevenir doenças.

 

Homens e mulheres

 

- Quem é mais afetado, o homem ou a mulher? O presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria esclarece que, dependendo do tipo de problema, no que se refere a alterações de ansiedade e depressão crônica recorrente, as mulheres são mais afetadas do que os homens. Há vários tipos de transtornos de ansiedade, mas todos eles giram em torno do excesso de nervosismo, da inquietude, do medo de que algo ruim está para acontecer e de alterações das funções normais do organismo, como acelerar o ritmo do coração, aumentar a pressão arterial e outros. Também se caracterizam pelo esforço que o indivíduo faz para não ter ansiedade, como nas fobias, nas quais as pessoas evitam entrar em contato com aquelas coisas que lhes dão muito medo - por exemplo: entrar em elevadores, contato com animais, viajar de avião, entre outros.

"Já as depressões se caracterizam por falta de ânimo, desesperança, idéias ruinosas, tristeza e alguns sintomas orgânicos, como insônia, diminuição do apetite e emagrecimento - em alguns casos, é o contrário, com aumento do apetite e do peso - diminuição dos prazeres da vida, inclusive do desejo sexual, provocando frigidez ou impotência", diz o médico. E complementa: "Uma crise depressiva isolada pode provocar estes sintomas, mas há pessoas que as têm muitas vezes ao longo da vida, cronicamente. Estas, em geral, têm outros familiares deprimidos".

Um estudo levado a cabo em várias capitais brasileiras mostrou que mais de 10% da população tem, ou já teve depressão em algum momento de sua vida. As ansiedades são ainda mais freqüentes.

As depressões familiares e as ansiedades não discriminam condição social. Ocorrem em populações ricas, de classe média e em pobres. No entanto, perdas importantes também são capazes de provocar ansiedade e reações de tristeza. Populações mais carentes são muito mais submetidas a situações de graves privações e a perdas mais freqüentes, aumentando a freqüência de crises de ansiedade e de reações de tristeza, que podem ser graves.

 

Esquizofrenia

 

- Já as esquizofrenias são diferentes. "São quadros mentais em geral bem mais graves, que aparecem claramente a partir da adolescência e atingindo profundamente a percepção da realidade (alucinações), o pensamento (incoerência e delírios), os sentimentos (as pessoas ficam mais irritadas, ou apáticas e frias) e as atitudes (ficam incapazes de cuidar de si próprias)", diz o médico. Segundo ele, estes sintomas podem ocorrer em surtos agudos, que duram de dois a quatro meses e passam, mas que voltam depois. "Uma parte grande sempre volta a ter novos surtos, tornando-se crônicas. A tendência da doença é ir piorando com o tempo. Mesmo nos intervalos entre os surtos, vai ficando cada vez pior. Cerca de 1% da população tem esquizofrenia. Nesta doença, aparece uma progressiva perda da capacidade de trabalhar e de se relacionar, levando estas pessoas a verem deteriorar-se sua situação econômica e social.", ressalta.

O psiquiatra explica que as alterações do comportamento que estão associados ao retardo do desenvolvimento, por lesões cerebrais provocadas durante o parto ou na primeira infância, são muito mais freqüentes nas populações de baixa renda, por falta de informação e de cuidados e por más condições de higiene e de dificuldade de acesso ao atendimento de saúde.

 

Internação involuntária

 

- O médico afirma que a internação involuntária é um dos pontos mais delicados: a internação involuntária. "Esta também é uma das características mais fortes da psiquiatria: lidar com pessoas cuja doença retira a capacidade de discernimento, de avaliar os riscos que estão correndo ou fazendo outros correrem". Segundo ele, muitos ainda não perceberam que uma internação involuntária não é apenas um ato técnico, "é também é um ato jurídico, pois implica automaticamente perda do direito de um cidadão de decidir sobre a sua liberdade de ir e vir".

Para ele, a decisão médica de internar deve ocorrer em casos de maior risco para a integridade física e mental do indivíduo e daqueles que o cercam, e durar apenas durante o tempo necessários para o afastamento destes riscos. "Além disto, para a proteção do enfermo e também dos médicos que decidiram pela internação, este ato deve ser revisado por autoridade judicial competente, que pode se valer do auxílio técnico especializado de terceiros. Este procedimento é uma proteção para o cidadão, contra os erros e os abusos, e uma proteção para os médicos, que deixam de ser absolutos em suas decisões, absolutismo que não convém a ninguém", enfatiza.

 

Psiquiatra, psicanalista, psicólogo: o que fazem estes profissionais

O médico explica que o psiquiatra é um especialista no diagnóstico e tratamento das doenças mentais, inclusive em seus aspectos biológicos. "Como médico de formação, objetiva trabalhar com doentes, interessado nas causas da doença e seus tratamentos. Emprega métodos psicológicos, inclusive psicoterapia, e farmacológicos quando necessários".

Já o psicólogo trabalha sobre a personalidade e sobre a pessoa como um todo do ponto de vista do funcionamento psicológico. Muitos tratam problemas de desajustamentos sociais com métodos psicológicos, utilizando várias formas de psicoterapia.

O psicanalista utiliza uma das formas de psicoterapia, baseada em métodos inicialmente desenvolvidos por Freud e que visam a ajudar as pessoas a se conhecerem melhor e às suas personalidades, corrigindo aspectos destas que lhes causem sofrimento. Podem ser tanto psicólogos, médicos, como outros profissionais.

 

Crédito:Fatima Nazareth

Autor:Carolina Fagnani

Fonte:Assessoria de Imprensa ABP