Rio de Janeiro, 28 de Março de 2024

Infidelidade

Infidelidade
A estréia nacional do filme “Infidelidade”, de Adrian Lyne, em cartaz nas maiores cidades do país, chamou atenção para um contraste.
 
Quinze anos depois de causar polêmica com “Atração fatal” (que conta a história de um marido infiel que põe em risco a vida de sua família ao se envolver com uma amante tresloucada), o diretor voltou ao tema, desta vez pelo ângulo oposto: em “Infidelidade”, é a mulher que leva o marido traído a um violento descontrole emocional.
 
Nestes quinze anos, mudou o cinema ou mudaram os casais?
 
Segundo as estatísticas, mudaram os dois: as mulheres passaram a trair tanto quanto os homens. Pesquisa recente dirigida por uma das mais conhecidas especialistas em separações conjugais dos Estados Unidos, Emily Brown, diretora do Key Bridge Therapy and Mediation Center em Arlington, mostrou que de 45% a 55% das americanas têm um ou mais relacionamentos extraconjugais, contra uma variação entre 55% e 65% dos homens infiéis.

Esse número se repete no Brasil, segundo o psiquiatra gaúcho Gley Costa, com uma diferença: a infidelidade clássica, na qual o cônjuge mantém um amante indefinidamente, está se reduzindo drasticamente entre nós. Costa fez uma ampla pesquisa sobre o tema com 4.500 casais na Fundação Universitária Mário Martins, em Porto Alegre. Segundo ele, apenas 20% têm vida dupla. A esmagadora maioria dos casais enfrentou a infidelidade apenas em momentos de desajuste conjugal. Noutras palavras: hoje, a mulher é mais infiel sim, mas mudaram também o perfil de quem trai e os motivos da traição.

— São pessoas que se envolvem em triângulos por uma crise no casamento. Querem terminar a relação ou rediscuti-la. Nos últimos cinco anos, as mulheres começaram a trair mais, tanto quanto os homens. Mas com essa mudança, veio outra: a queda da infidelidade. Há uma terceira revolução sexual, caracterizada pela exigência de relações amorosas sinceras. As mulheres se tornaram amorosamente mais exigentes. As infiéis são apenas desajustadas — diz Gley.

Autor de “Cenas conjugais”, livro recém-lançado pela Artmed em que analisa essa terceira revolução sexual, Costa se interessou em buscar as causas deste comportamento “desajustado”:

— Nos Estados Unidos, Emily Brown, autora do livro “Affairs”, diz que 90% dos casais que enfrentam esse conflito não se separam. A traição que resulta em divórcio é só um meio de levar ao fim o casamento. Isso ocorre também no Brasil. Os relacionamentos hoje tendem a ser mais verdadeiros e prazeirosos, ainda que não durem a vida toda, e permitem enfrentar fases de desajustes — diz.

Mas qual o perfil desses 20% que permanecem como infiéis à moda antiga? A maioria, segundo Gley Costa, é de casais emocionalmente imaturos, que buscaram o casamento por motivo de segurança:

— Quem se casa em busca de segurança termina inseguro, colecionando amantes, procurando experiências afetivas que não viveu.

As conclusões de Costa sobre o aumento da infidelidade feminina foram também comprovadas em pesquisa coordenada pela psiquiatra Carmita Abdo, no Projeto Sexualidade da Universidade de São Paulo (Prosex), com 3 mil pessoas em vários estados brasileiros. Segundo Carmita, a infidelidade masculina ainda é maior (63%), mas as mulheres, sobretudo as mais jovens, estão traindo mais. Carmita explica este aumento pelo fato de que a conquista do mercado de trabalho pelas mulheres ampliou as oportunidades de infidelidade.

— A ida para o mercado de trabalho tornou as coisas mais fáceis. Hoje elas estão mais expostas às tentações — diz Carmita.

A cyberwoman Maria Isabel Tarcha, 35 anos, é um exemplo da mulher traída tradicional. Depois de descobrir que seu marido tinha amantes, ela decidiu criar um site, traida.net, que já registra 16 mil visitas semanais. Ex-mulher de um webmaster, Maria Isabel tinha aversão a computador até descobrir que estava sendo traída. Após uma briga, ela acessou a rede e achou o próprio marido, com foto e currículo de bom amante.

— A raiva me fez aprender tudo rapidamente. Quebrei todas as senhas dele e mandei um e-mail para a amante, desejando felicidades ao casal. Minha vingança foi criar o traida.net. O site virou um sucesso, com histórias novas a cada dia — conta.
 
Mulheres brigam e homens se envergonham

À semelhança da webwoman Maria Isabel, cujo casamento só terminou definitivamente um ano depois, há quem ache que a traição pode ser apenas uma fase do relacionamento.

— Não fui capaz de perdoá-lo, mas também não digo que o meu caso vale para todos. Vejo, por exemplo, pelas mensagens que recebo no site, que há de tudo um pouco, inclusive pessoas que conseguem passar por cima e melhorar o relacionamento depois de descobrir que algo não vai bem — diz Maria Isabel.
 
Mulheres são mais hábeis para esconder os amantes

A psicanalista Marcia Rodrigues Ganime diz que o desejo de trair geralmente acontece quando algo não vai bem no casamento, mas o perdão não é impossível.

— É claro que tudo depende da história de cada um, mas é muito comum o parceiro ou a parceira querer viver algo novo. O casal precisa saber que a traição não significa que o relacionamento tenha acabado, por mais difícil que seja perdoar. Quando a relação é sólida, o perdão é perfeitamente aceitável. Apesar da marca ficar para sempre, há uma possibilidade da relação melhorar, já que o casal conversará muito para conseguir se entender novamente.

Especializado em investigações de infidelidade conjugal, o detetive Leo Garrido Portella trabalha com casos do gênero há mais de 30 anos. Ele diz que, na maioria das vezes, é contratado por homens, e que as mulheres são mais desconfiadas e ao mesmo tempo mais competentes do que seus maridos para esconder amantes.

— O meu trabalho diminuiu muito nos últimos 20 anos. Isto porque, até 1980, era preciso provar a traição com flagrante de adultério para pedir a separação e quem o fazia eram os homens, que são os últimos a desconfiar da traição. Hoje, as mulheres também me contratam, e sempre que o fazem a suspeita é confirmada. Muitas fazem por vaidade. A maioria delas pede o serviço do fotógrafo profissional porque insiste em ver a cara de uma amante — diz Portella.

O detetive acrescenta outro dado novo: 80% dos seus clientes têm menos de 30 anos.

— A maioria é jovem porque os casamentos se desfazem muito rapidamente. Como clientes, as mulheres são diferentes dos homens até na hora de reagir ao resultado. Os homens são mais discretos, têm vergonha de serem traídos e preferem se separar em sigilo, sem fazer alarde. Já as mulheres têm a reação oposta: muitas fazem escândalo, querem ver o rosto da rival, querem saber se a rival é mais bonita e partem para a briga. Tive uma cliente que chegou a agredir fisicamente, na praia, a amante de seu marido — conta o detetive Portella.

Para a psicóloga e terapeuta de casais Clystine Abram, presidente do Instituto Brasileiro de Hipnose Aplicada, a traição pode gerar reações extremas na vítima, além de atitudes descontrolas e impulsivas.

— São distúrbios momentâneos de caráter provocados pela não aceitação da rejeição e do abandono. Quando são rompidas a lealdade e a confiança, os sonhos e ideais em comum desmoronam e há um sentimento de frustração intenso — ensina Clystine, para quem a internet facilitou os contatos extraconjugais.
 
Em São Paulo, o primeiro processo pela internet
 
Para a psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do Projeto Sexualidade do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP, o relacionamento extraconjugal já foi incorporado pela nossa cultura, mesmo que isso não seja o ideal.

— Hoje existe mais tolerância, ainda que velada, dos casos extraconjugais. Esta é uma espécie de saída encontrada por pessoas que percebem a dificuldade de manter por um período indefinido uma relação monogâmica. A questão afetiva é muito importante para o brasileiro. Fizemos uma pesquisa que mostrou que o afeto é o principal num relacionamento para 71,3% das mulheres e 63,3% dos homens.

Corre em São Paulo uma ação judicial de reparação material movida por um marido que acusa a mulher de traí-lo pela internet. Também pela primeira vez nos processos judiciais que correm em varas de família, a troca de e-mails está sendo apresentada como uma prova do adultério da mulher, para obter uma separação litigiosa, na qual o marido ainda exige reparação por danos morais. O processo, porém, transorre em segredo de justiça e a aceitação pelos juízes da infidelidade virtual também é tema de intenso debate, sobretudo pela exigência de perícia.

O advogado Paulo Lins e Silva explica que comprovar traição virtual nos tribunais é muito complicado: para provar que o e-mail que comprova o adultério foi realmente enviado pelo infiel seria necessário uma perícia com o know-how de um hacker.

— A caracterização da infidelidade com base em provas extraídas de relacionamentos pela internet pode até estar sendo aceita como prova em algumas varas de família, para reforçar os pedidos de separação conjugal, mas a nossa experiência em relação a esse tipo de prova ainda é pequena e a decisão dos juízes depende de uma perícia muito bem feita. Além disso, hoje diminuiu muito o número de divórcios litigiosos porque cresceu muito o número de mulheres que conquistaram independência financeira. Elas estão mais preocupadas em viver sua vida depois de uma relação frustrada do que em receber pensão ou indenização por danos morais — comenta Paulo Lins e Silva.
 
O que leva à procura de um outro parceiro
 
Para a especialista em terapia de casais Emily Brown, toda infidelidade é um instrumento de defesa contra um tipo particular de sofrimento. O sofrimento pode estar relacionado a temores de conflito, temores de intimidade, temores de sentimentos de vazio e até dificuldade de terminar um relacionamento.

A terapeuta diz que toda infidelidade envia ao parceiro uma mensagem sobre o sofrimento em questão. O problema, segundo ela, é que o cônjuge não decodifica a mensagem e surge a crise. Nos Estados Unidos, as estatísticas mostram que 90% dos infiéis são perdoados e o casamento sofre uma reestruturação.

Com 30 anos de experiência clínica com casais, Gley Costa concorda que hoje o traído não quer a separação, mas, antes, que o cônjuge termine com o amante e volte à vida a dois:

— Eu costumo dizer a esses casais que todas as situações de infidelidade, ainda que praticadas por apenas um dos parceiros, têm a participação dos dois, revelando a história do casal. A maioria das situações confirma a tese de que a fidelidade e a infidelidade, por caminhos inversos, buscam segurança e estabilidade emocional.

Para Gley, a fidelidade empedernida pode esconder o medo de ficar sozinho e a incapacidade de auto-realização. E é, segundo ele, outro desajuste conjugal:

— Todas as possibilidades de infidelidade em um relacionamento conjugal reforçam a tese de que a fidelidade é uma utopia, porque pressupõe a ausência de memória e de fantasias. Mas pode ser também uma conquista do amor maduro, dentro dos limites da condição humana — explica.

O psiquiatra vê com otimismo a diminuição da fidelidade clássica aliada ao aumento das separações:

— Torna-se claro que a infidelidade é uma forma de compensar as insatisfações do casamento. E o futuro parece ser de relacionamentos mais prazerosos, apesar dos desajustes.

Crédito:Anna Beth

Autor:Marilia Mesquita

Fonte:Universo da Mulher