Rio de Janeiro, 12 de Maio de 2024

Copacabana completa 111 anos

Senhoras de famílias tradicionais, travestis, jovens, boêmios, turistas, prostitutas, enfim, gente de todas as idades, raças, classes e credos comemoram hoje os 111 anos do bairro mais democrático do Rio: Copacabana está em festa. São 147 mil pessoas dividindo 483 metros quadrados e formando um painel que deixaria estupefatos os índios tamoios, seus antigos moradores.


Chamada de Sacopenapã, devido ao barulho do bater das asas dos socós, o bairro mudou de nome quando, na região de areias brancas,surgiu a primeira imagem de Nossa Senhora de Copacabana.

Incrustada entre montanhas, Copacabana permaneceu praticamente isolada do centro do Rio até o final do século XIX. Além do Forte do Leme e de algumas poucas chácaras e sítios - onde os mais abastados da capital, como D. Pedro II, se refugiavam das mazelas da cidade imperial -, apenas uma restrita população de pescadores habitava o local.

O difícil acesso foi superado em 1892, quando um túnel aberto através do Morro de Vila Rica estendeu a linha de bondes de Botafogo até Copacabana. O Túnel Real Grandeza foi inaugurado no dia 6 de julho de 1892, data em que se comemora o aniversário do bairro. No início do século XX, durante a gestão do prefeito Pereira Passos, foi aberto o Túnel do Leme (atual Túnel Novo). No mesmo ano, em 1906, foi inaugurada a Avenida Atlântica que, graças às ondas formadas pelo mosaico do calçamento de pedras portuguesas, se tornaria o símbolo maior do bairro e da cidade.


Avenida Atlântica, um corredor turístico a ser preservado

Quase centenária, a Avenida Atlântica acompanhou a evolução do bairro, tornando-se uma opção de moradia para a elite carioca. Nos quatro quilômetros de praia, que se estendem do Leme ao Posto 6, as choupanas de pescadores foram substituídas por palacetes, onde moraram - e ainda moram - figuras tradicionais da alta sociedade e da política.

Morador do bairro há 12 anos, o ator Diogo Vilela sempre quis residir em Copacabana. Para ele, que vê a praia da janela de seu apartamento, não há vista mais bonita.

- Copacabana é uma praia linda - admira Diogo. - A mais bonita do Rio, mesmo quando chove. É o lugar onde você se sente mais livre para ser carioca. Existe um certo preconceito em relação ao bairro, mas eu gosto dessa coisa extravagante. É um bairro poético, marginal, eclético. Tem travesti, prostituta, madame e dona de casa.

Em 1922, o Copacabana Palace, um dos símbolos do bairro, terminou de ser construído para os festejos do centenário da Independência. O prédio, projetado pelo arquiteto francês Joseph Gire, continua sendo um dos mais importantes hotéis da cidade.

O jornalista Maurício Ribeiro, nomeado pelo prefeito Cesar Maia o xerife da Avenida Atlântica, considera a orla de Copacabana um importante corredor urbanístico e turístico que precisa ser preservado.

- A Avenida Atlântica é um cartão postal do Brasil - explica ele.

- Percorro a orla diariamente para detectar os problemas e tentar resolvê-los através de parcerias com outros órgãos da prefeitura.

 
O bairro foi cenário de momentos políticos e culturais da história

 
O bairro foi palco e cenário de momentos políticos e culturais da história da cidade. Construído em 1914, o Forte de Copacabana teve um papel de destaque oito anos depois, no dia 5 de julho, no movimento contra a República Velha que ficou conhecido como ""Os Dezoito do Forte"". Liderado pelo tenente Siqueira Campos, a caminhada dos oficiais rebeldes, dispostos a ""resistir até a morte"", partiu do Forte rumo ao Leme, mas a não adesão de outras guarnições fez com que, dos 18 temerosos oficiais, só dois escapassem das balas das forças legalistas: Siqueira Campos e Eduardo Gomes, ambos bastante feridos.
Apesar do fracasso, o movimento impactou as Forças Armadas e deu início ao Tenentismo.

Além da sua histórica participação política, a aniversariante também se destacou no cenário cultural. Antes da construção de Brasília, quando o Rio de Janeiro era a capital federal, Copacabana foi um reduto do poder. Nas mesas do Midnight, no Copacabana Palace, e da boate Vogue, não muito longe dali, políticos conviviam com damas da sociedade carioca, onde reinavam as cantoras Aracy de Almeida e Linda Batista, contratadas pela Vogue.

Depois foi a época do concorridíssimo Sacha´s, no Leme, e do Beco das Garrafas, palco fundamental da história da música popular brasileira nos anos 50. Foi lá que a Bossa Nova teve seus primeiros acordes. Dolores Duran, Vinícius de Moraes, Antonio Maria, Ary Barroso e tantos outros expoentes da cultura brasileira se encontravam no Beco para tomar uma saideira com maitre Alberico Campana. Na década seguinte, foi a vez de Elis, Bôscoli e Miéli passarem por ali.

Para o ator e diretor Diogo Vilela, lugares como o Beco das Garrafas e o Teatro do Copacabana Palace deveriam ser resgatados.

- O melhor presente para o bairro seria a reabertura do teatro do Copacabana Palace. É um teatro antigo, maravilhoso. Sinto muita falta dele. Trabalhei lá em 84 e gostaria muito de voltar - afirma ele.

Também moradores de Copacabana, além de parceiros e vizinhos, o diretor Antônio de Bonis e a dramaturga Fátima Valença, uma das autoras do musicais "Dolores" e "Elis - Estrela do Brasil", fazem coro com Diogo e sonham com a abertura do teatro Copacabana.

- De Bonis tem um projeto de um musical contando a história do hotel Copacabana Palace. Que palco abrigaria melhor esse espetáculo? - pergunta Fátima.

O poeta Ferreira Gullar mora em Copacabana desde 1979. Ele ainda vivia em Ipanema quando o amigo Darcy Ribeiro, que havia se mudado para o bairro, o aconselhou a seguir seu caminho.

- Para mim, Copacabana melhorou. A Praça do Lido, que antes era ocupada por marginais, é hoje um lugar agradável. O que piorou, piorou na cidade inteira: o tráfico, uma quantidade desnecessária de ônibus, a poluição - analisa Ferreira Gullar.

Como qualquer outro bairro, Copacabana sofre os reflexos da modernização, mas nem por isso deixa de ter seus atrativos.

- A praia de Copacabana é uma festa à noite - diz Gullar. Os bares ficam abertos, você pode tomar um chope no calçadão. Além disso, tem cinema perto, o teatro Villa-Lobos. O comércio é bom, tem mercado, farmácia, padaria... tudo perto - conta.

O que mais assusta Antônio De Bonis, que morou no bairro entre 1978 e 1983 e está de volta há quatro anos, são os mendigos dormindo embaixo das marquises.

- Isso é assustador. Assim que as lojas são fechadas, as ruas viram verdadeiros dormitórios. Mas Copacabana continua linda. É um bairro fascinante pela mistura de velhos, jovens, mendigos, nordestinos, pessoas que são capas de revista, ricos, pobres: uma mistura total. É o retrato do Rio. Mas eu ainda prefiro a Copacabana das lambretas, dos playboys, da praia que vinha até onde hoje estão os prédios - diz De Bonis.

A colônia de pescadores do Posto Seis é outra forte referência do bairro: está no mesmo lugar há mais de 90 anos. Desde o maiô de duas peças até a bossa nova, Copacabana foi consagrada exportadora de modismos e só na década de 60 perdeu sua primazia para Ipanema.

 

 

Copacabana: um bairro nostálgico

 
Os idosos são personagens fundamentais de Copacabana. De acordo com dados obtidos em 2000 pelo Instituto Pereira Passos, 24% da população do bairro tinha mais de 60 anos. O tema foi abordado pela cineasta Carla Camurati no filme ""Copacabana"", que conta a história de Alberto - interpretado por Marco Nanini - um fotógrafo que passa a vida a limpo no seu aniversário de 90 anos. Tomado pela nostalgia, começa, em suas lembranças, a revisitar importantes fatos profissionais e afetivos de sua vida, sempre emoldurados por Copacabana.
- Passei a infância em Copa, na casa da minha madrinha, e quando ela ficou doente eu voltei para cuidar dela. Então comecei a observar os velhinhos que passeavam no calçadão. Foi assim que surgiu o filme. Copacabana é um dos lugares mais especiais do Rio, o mais cosmopolita. Acho que um velhinho abraçado com um travesti seria, com todo respeito aos dois, a cara de Copacabana - diz Camurati.

Diogo Vilela concorda que os idosos são o retrato do bairro.

- Tenho uma ternura com os velhinhos de Copa. Eles andam sempre arrumados. Acho que são a imagem do bairro. Também quero ficar velhinho em Copacabana - declara.

Embora mais pobre e menos glamourosa, Copacabana hoje continua sendo o retrato do Brasil. É naquela faixa de areia, cercada por dois fortes, que prostitutas, gigolôs e travestis convivem harmoniosamente com senhoras de boa família. É também ali que nordestinos, cariocas e gringos se tornam amigos de infância em questão de minutos.


Crédito:Fatima Nazareth

Autor:Fadua Matuck e Pâmela Oliveira

Fonte:O Globo