Rio de Janeiro, 11 de Maio de 2024

Onde devem ficar os monumentos da cidade?

Visconde do Rio Branco repousa, solene, na Av. Princesa Isabel, bem distante da avenida que leva o seu nome, no Centro. D. Pedro I está montado num cavalo na Praça Tiradentes, enquanto o próprio mártir da inconfidência descansa na Rua Primeiro de Março, em frente à Assembléia Legislativa. Basta olhar em volta com atenção para perceber incongruências como essas entre os 680 monumentos da cidade. Mas a prefeitura prepara, desde o início do ano, um levantamento que vai explicar por que boa parte das estátuas cariocas enfeita lugares que a princípio pouco têm a ver com a importância histórica dos homenageados.

Visconde do Rio Branco é autor da Lei do Ventre Livre e, por isso, jaz na avenida da princesa que libertou os escravos. D. Pedro I jurou obedecer a Constituição portuguesa na sacada do antigo Teatro São João (hoje João Caetano) e, por isso, enfeita o largo que, à época, era chamado de Praça da Constituição. Tiradentes ficou preso na Cadeia Velha e, por isso, adorna a calçada do extinto prédio. Para tudo a Divisão de Monumentos e Chafarizes da Fundação Parques e Jardins encontra explicação.

Trabalho de pesquisa vai virar livro em 2003

O trabalho, que até agora identificou 100 monumentos e chafarizes, vai virar livro, com previsão de lançamento para o início de 2003. A idéia é listar os monumentos, dizer quem é quem e justificar o destino dado a cada estátua. Caso seja encontrado algum erro inexplicável, a prefeitura promete corrigí-lo, trocando a homenagem de endereço.

— Por enquanto está tudo nos seus devidos lugares. Nada mais justo que o Visconde do Rio Branco tenha sido colocado numa praça na Av. Princesa Isabel — resume Vera Dias, chefe da Divisão de Monumentos e Chafarizes, que acrescenta: — O Rio é a segunda capital do mundo com o maior número de obras de arte em ferro fundido, só perdendo para Paris. Satisfiz muitas curiosidades pessoais durante o trabalho de pesquisa.

Uma delas foi descobrir que o cartunista J. Carlos tem um busto na Praça Élcio Souto, na Lagoa, porque morou ali durante muitos anos. Outra, que o cidadão que dá nome à praça Carlos Mege, na Ilha do Governador, foi um comandante da aeronáutica responsável pelas transmissões de rádio no antigo aeroporto.

Obras são cercadas de curiosidades históricas

Não são poucos os detalhes interessantes e desconhecidos que cercam os monumentos cariocas. No fim do século XIX, por exemplo, chegaram a sugerir que o monumento de d. Pedro I fosse vendido para pagar a dívida externa do país.

— Outra curiosidade é que o chafariz da Praça Mahatma Gandhi é um dos monumentos que mais andou pela cidade. Antes de chegar ali passou pela Praça XV e pela Praça da Bandeira. Antes, porém, já havia estado em Londres — conta o historiador Milton Teixeira.

O secretário municipal de Meio Ambiente, Pedro Paulo Carvalho, diz que o objetivo do cadastramento promovido pela prefeitura é manter a história e a memória da cidade vivas.

— As informações serão disponibilizadas no site da secretaria e o livro será distribuído em escolas, universidades e bibliotecas — adianta.

O levantamento da prefeitura pretende explicar os motivos pelos quais alguns monumentos mudaram de lugar, muitas vezes na mesma praça. Pedro Álvares Cabral, que está na Glória, já andou virado de costas para o mar, no mesmo lugar, e há poucos anos passou a olhar para a baía. José de Alencar, na praça de mesmo nome, no Flamengo, também já rodou sobre o mesmo ponto. O chafariz “Mulher com ânfora”, de Humberto Cozzo, por sua vez, deixou o Largo da Glória durante as obras do metrô, ganhando nova morada em 1987, em frente à Igreja da Candelária.

— Procuramos fotos antigas para botar os monumentos na posição original, de onde saíram durante obras urbanísticas — diz Vera Dias.

Faltas históricas também estão sendo aos poucos corrigidas pela Fundação Parques e Jardins. Um exemplo é o Monumento a General Osório, tombado na Praça XV. O busto está lá por ser ao lado do Paço Imperial, já que o general serviu ao império, mas, no início deste mês, a Praça General Osório — que só homenageava o militar no nome — também ganhou um busto do herói do exército (que, aliás, doou a obra). Outra emenda histórica foi feita há cerca de um ano, quando o Lions Clube da Gávea doou um busto de Santos Dumont (sem chapéu) à praça de mesmo nome.

— Já havia um monumento a Santos Dumont em frente ao aeroporto. Mas ele também merecia ficar na Gávea — acrescenta Vera Dias.

O Rio é a cidade brasileira que mais abriga monumentos. E o número não pára de crescer. A cada ano, uma média de 10 obras novas são doadas por iniciativas de escultores, entidades civis e associações de moradores. Uma das mais recentes foi presente da prefeitura, que decidiu homenagear o maestro Tom Jobim no Parque Lage com uma estátua feita em bronze pelo escultor Otto Dumovich. O monumento — no qual um estudante retrata numa tela o momento em que Tom plantou uma palmeira imperial naqueles jardins — foi inaugurado em fevereiro.

Enquanto novas estátuas são acrescentadas à paisagem da cidade, um depósito na Av. Presidente Vargas guarda inúmeros bustos e pedaços de monumentos. Em 1996, a prefeitura começou a devolvê-los às ruas. O primeiro busto a voltar ao lugar de origem foi o do herói chileno Bernardo O’ Higgins, que proclamou a independência de seu país em 1818. A obra regressou para a Av. Chile, de onde saiu durante as obras do metrô.

No depósito, à espera de um lugar ao sol, estão bustos como o do pintor Zeferino de Oliveira, retirado do Campo de São Cristóvão em 1986, devido às obras da Linha Vermelha. Ilustres desconhecidos também compõem o curioso acervo do local, dividindo espaço com postes, peças de granito, cabeças de gesso e placas de ferro com nomes de ruas e praças que já não fazem parte do cenário carioca.

— Estamos abertos a sugestões para dar um destino nobre a essas obras. Mas obviamente teremos que ver se o local condiz com a importância histórica do homenageado — explica Vera Dias.

Crédito:Fatima Nazareth

Autor:Adriana Castelo

Fonte:O Globo