Rio de Janeiro, 03 de Maio de 2024

PAVÊ DE AMENDOIM

PAVÊ DE AMENDOIM

 

Bruno Peron Loureiro


            Havia uma senhora no mesmo quarteirão do bairro em que eu morava que preparava um pavê de amendoim delicioso. Dá água na boca só de lembrar. Ela vendia-o sob encomenda, numa embalagem de papel e alumínio que enclausura o produto dobrando as bordas. Daquela que tem que fechar os quatro cantos e se descobre quando alguém mexe atrevidamente.

            O prazer começava quando eu abria a tampa e vislumbrava a cobertura. O doce era feito com esmero e para servir de isca até aos que se achassem mais prevenidos dessas tentações culinárias. Pegava qualquer um de surpresa. Não conhecia ninguém no perímetro que preparasse tamanha suntuosidade gastronômica. É óbvio que não durava muito.

            O pavê serve de pretexto para outra conversa, porém.

            Não é exatamente disso que quero tratar. E dizem que falar de boca cheia é falta de etiqueta. Vamos ao que interessa enquanto o doce fica na geladeira. Vivemos numa época em que se valoriza o conhecimento como expressão, nível social, forma de ascensão, poder. Todos querem ter informação e por vários meios: fofocas, jornal, televisão, internet, rádio, celular.

            Numa ocasião, recebem-se notícias sobre o novo presidente dos Estados Unidos, já que infelizmente parece importar menos a reputação mundial alcançada pelo nosso. Noutra, um familiar telefona dizendo que faleceu um parente que morava há centenas de quilômetros, embora ninguém o visitasse ou desse a mínima atenção.

            O afã de saber primeiro, inteirar-se cabalmente e ter história para contar subordinam esse conhecimento à velocidade e exclusividade. O profissional que já está encaminhado no mercado de trabalho e não depende de curso superior para ascender acaba fazendo-o com o objetivo de qualificar-se para este mundo incerto, competitivo, de crises e vaivéns.

            O conhecimento adquire-se velozmente pelo atropelo das análises que se fazem de fenômenos correntes, como a incursão israelense sobre a faixa de Gaza, ou pelo toque do celular através do qual se recebem as notícias do mundo quase em tempo real. Antes de os eventos acontecerem, já tem um correspondente em alguma parte do mundo pronto para terminar a reportagem em seu laptop e clicar “enviar”.

            Além disso, o conhecimento virou objeto de exclusividade. É difícil reiterar sua universalidade quando há grupos que o reivindicam só para eles. É claro que uns merecem o reconhecimento pelo avanço que promovem na ciência e se lhes deve atribuir o mérito, enquanto outros puxam unicamente para interesses econômicos e pessoais. Inclusive tem coisas que não são para os nossos bicos. A senha do cofre ninguém tem que passar.

            As patentes e a exclusividade das inovações artísticas, científicas e tecnológicas, os direitos reservados aos programas da Microsoft, a fórmula da Coca-cola que até hoje continua indecifrável, o conhecimento da extração petroleira em águas profundas detido pela Petrobrás são algumas investidas de resguardo do que se aprendeu, conquistou ou descobriu. Tesouros foram desvendados e doenças, curadas.

            A velocidade com que se obtém informação aumenta concomitantemente à exclusividade como se protege o conhecimento. A senhora Virgínia, aquela cujo pavê de amendoim despertava o excelso sentido do paladar, mantinha seu segredo. Ela nunca relevou a receita pra ninguém. Era uma maneira de capturar os clientes e despertar a curiosidade e o desejo sobre um doce aparentemente banal.

            Já sei. Esperavam que eu descobrisse a receita do pavê de amendoim e o preparasse. E eu entendo dessas coisas? Se eu soubesse, acho que também deixaria muita gente curiosa.

 

Bruno Peron Loureiro é analista de relações internacionais.


Crédito:Cis Padilha

Autor:Bruno Peron Loureiro

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