Rio de Janeiro, 03 de Maio de 2024

A CRÔNICA DO ALEXANDRU SOLOMON

 
A CRÔNICA DO ALEXANDRU SOLOMON
 
 

Nem só de bit se vive

Atenção, caro leitor.

Tudo que lerá a seguir se passa no mundo mágico da Internet. Estamos sendo indiscretos, pois, dentro de algumas linhas, estare­mos presenciando diálogos na linguagem que parece ser a do futuro.

Conces­sões à ortografia são de praxe assim como algumas manifestações que subs­tituem a entonação de uma conversa normal. Como? Muito simples: acres­centam-se “emoticons” símbolos convencionais, retratando estados de alma. Tudo isso é muito profundo. KKK. Pois é. Trata-se de sonora gargalhada, transmitindo ao interlocutor a hilaridade que acaba de nos acometer.

Tudo muito simples, enxuto, moderno e progressista.

Quer arriscar um passeio?

Encontrará algumas gírias; não se assuste, porém. De qualquer ma­neira já não entende mesmo a geração teen.

E se uma relíquia pertencente a uma outra era terçasse armas com um destemido internauta, o que poderia acontecer?

Ele nunca foi micro. Tampouco chegou a ser macro de verdade. Ocupava uma sala enorme e lá permaneceu esquecido durante décadas. Eis que, não mais que de repente a sala foi invadida por seres estranhos. Adeus, tranqüili­dade.

O nobre ser, mais burro que a minha calculadora agapê, porém mais vivo que um bando de cientistas, acordou “lincadão” numa rede. Com todo o sistema de refrigeração, sentiu ferver nele um entusiasmo juvenil ao se depa­rar com a realidade de um “chat”, bate-papo na Internet; isso para quem ainda não sabe o que é “chat”. A timidez não lhe dava trégua, no entanto. Re­gistramos o diálogo e cá está ele. Simples, direto e inofensivo:

– Oieeeee. De onde tc?* (de onde tecla, ó estranho?) Se não responder, um []! (um abraço, como é fácil!)

– Desculpe, talvez deva engolir mais alguns cartões perfurados. Esforço-me debalde.

– 100 problema!(sem problema) Kd tu? (cadê tu?) A incompreensão se deve à falta de emoticons? Hummm...

– Não consigo decodificar. Eu sou um micro da época da reserva de mer­cado. Sou um passo rumo à auto-suficiência tecnológica. Vai ver que tinha mais passos para dar e aí fui desligado e colocado junto à sala de um ama-nuense.

KKK. Tu 10montas, 100sualmente a todos que cativas. És 1000itar? (Estão acompanhando, leitores aplicados?)

– Meu índice de nacionalização é o que de mim se espera. Não consigo entender esses chistes. Seus olhares parecem sinceros. Fico constrangido por parecer-me pertencer à toleima computacional.

– Bah! Bem-vindo à Net, amigão.-))) (sorriso) Alegria! Afinal, 20ver.

– Sua fala não é de um fidalgo, receio.

– Re seio? Seio duas x? Tu és ousado, guri velho!-)) Um beijo iluminado no coração. Vamos te tratar com cuidado. Não queremos que válvula alguma pife.

– Agora fui insultado. Não sou do tempo das válvulas. Gostaria de juntar-me aos amigos nesses aprazíveis folguedos. Oh imarcescível tentação!

– Calma! Tu és gavião mesmo. Só falta um nick! (nick é um pseudônimo; provavelmente era nickname antes) Depois é só cuidar para não ser clonado.

– Um Nicolau? Desculpe, não entendi. Algum lôbrego desvão da minha memória tragou a informação.

– MDR (atenção, não se trata de nenhum partido político, apenas comuni­cando que está “morrendo de rir"). Xapralá. Tu não vais colocar o L@l@u na história RDTR. (Agora é rolando de tanto rir.Com razão, evidentemente!) Mas em mei@ hor@ não haverá mais segredo para ti.

– Será? Sinto-me vítima de uma ignóbil e pertinaz mofina.

– Vem no reservado. Ké ki é isso? Vamos conversar, vai ser D+. Vamos ao reserlove! Pq não?

– Essa fala espaventosa me intimida. Vejo que foram pressurosos ao me acolher, todavia, deixaram caraminholas no meu sistema operacional.

– Um bug? Temos solução. Smackkk. (todos já vimos isso em gibis) Assim fica melhor? Malandrão dando uma de santinho.

– Para ser sincero, esse par de fios telefônicos causa-me cócegas. Sinto brotar uma paixão serôdia.

– Malandro! Não tens corpo, mas tens muito de PC.-;)) (Esse sinal miste­rioso substitui um sorriso. E faz derreter definitivamente o gelo da co­municação.)

– Malandro não, 100vergonha! Ao chat!!! Vamos rodar o mouse, galera! Afinal não sou um gamenho qq. Ao diabo a educação perfunctória KKK.

Rapidamente as duas gerações se encontram a bordo de uma linguagem comum.

Talvez por causa disso, a famosa ordem da Jarreteira ostentava o “Honni soit qui mal y pense”, não é mesmo, “galera”?


Crônica do livro ´´Mãos Outonais`` (Ed. Totalidade). Disponível na Livraria Pega Sonho: Rua Martinico Prado, 372 – Higienópolis – SP – Tel.: (11) 3668-2107).| E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br

 

Crédito:Cris Padilha

Autor:Celso Fernandes

Fonte:Universo da Mulher