Entrevista com Dr. François Lette, da Mayo Clinic:

Estudos demonstram que beber muito líquido é uma recomendação sem base científica

 “É um folclore que tomou corpo no início da década de 90”

Médico François Lette

Medicina Executiva e Internacional

Mayo Clinic, Jacksonville, Flórida

Estados Unidos

Especialista em medicina de viagem, o médico François Lette, da Mayo Clinic de Jacksonville, afirma que é muito freqüente a recomendação para que se consuma líquidos como forma de prevenir a flebite (inflamação da membrana interna das veias, geralmente das pernas), durante viagens longas. Entretanto, em estudo publicado em fins de 2008, Dr. Lette concluiu que mesmo em viagem longa, se o temor é a ocorrência de flebites é melhor caminhar pelo avião do que tomar água em excesso – que pode, ao contrário do que se pensa, acelerar o processo da doença.

François Lette se formou em medicina pela Universidade McGill, em Montreal (província de Québec, no Canadá); fez residência médica na Universidade de Montreal e na Escola de Pós-graduação em Medicina da Mayo, em Rochester (Minnesota, EUA). Também estudou na Escola de Higiene e de Medicina Tropical de Londres (Reino Unido).

Os resultados de seus estudos foram publicados na edição de setembro de 2008 no jornal médico “The Lancet”.  

Pergunta: Sempre fomos aconselhados a beber oito copos de água diariamente, porque é bom para a saúde. Por que essa recomendação está sendo questionada agora?

François Lette: De acordo com um artigo do Jornal da Sociedade Americana de Nefrologia (edição de 18 de março de 2008), beber água suficiente para matar a sede é o bastante para manter o corpo saudável. Não há evidência científica para sustentar a idéia de que beber grandes quantidades de água representa algum benefício fisiológico para a maioria das pessoas. Os pesquisadores estavam interessados em descobrir se o aumento do consumo de água iria melhorar a filtragem de toxinas nos rins. Descobriam que não havia evidência a favor ou contra essa proposição.   

Pergunta: Muitos nutricionistas recomendam beber dois litros de água por dia, como parte de um programa de perda de peso. O que acontece, na verdade?

François Lette: A água é, com freqüência, um componente importante de uma dieta ou de um programa de perda de peso. Acredita-se que, por beber mais água, as pessoas se sentem mais cheias e, consequentemente, com menos apetite para comer. Mas não há estudos clínicos que demonstrem os efeitos da água na manutenção do peso. 

Pergunta: E do ponto de vista da estética, o que acontece? Sempre ouvimos dizer que beber muita água hidrata a pele, tornando-a mais saudável e mais bonita.

François Lette: Copos extras de água não melhoram a pele. Não há estudo que comprove essa hipótese. 

Pergunta: Uma recomendação comum a passageiros aéreos é beber líquidos para prevenir a flebite. É uma boa recomendação?

François Lette: Já foi comprovado, em um teste de vôo simulado de 12 horas, que os passageiros ganham, em média, um quilograma de peso em água nesse período. Também foi comprovado que a ingestão de líquidos excede a saída de urina durante vôos. Beber mais líquido dilata as veias da pelve e das pernas, provavelmente aumentando os riscos de flebite. Se houver qualquer preocupação com a flebite, é melhor caminhar pelo avião ou usar meias de compressão.  

Pergunta: Qual é o ponto básico de seus estudos? 

François Lette: Beber muito líquido é uma recomendação sem base científica – um folclore que tomou corpo no início da década de 90. De uma maneira geral, há uma falta de evidências claras sobre os benefícios – ou ausência de benefícios – para a ingestão de grandes quantidades de água. Um consumo maior de água só se justifica em alguns casos, como o dos praticantes de esporte, o de pessoas que vivem em clima quente e seco e, ainda, o de pessoas que sofrem algum tipo particular de problema de saúde, como o de pedras nos rins. Nosso cérebro pode ser considerado um computador potente. Use-o e beba água quando estiver com sede.

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Sobre a Mayo Clinic

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