Rio de Janeiro, 18 de Maio de 2024

Parceria

           Aquele cliente era indiscutivelmente um mistério. Há dois anos trabalhando naquela agência e Sofia nunca conseguiu que ele se sentasse em sua mesa. Entrava e saía sem que a sua presença fosse percebida, nenhuma palavra, nenhuma expressão significativa. Se não fosse pelo seu nome autenticado na fita do caixa, não haveria provas de que ele passara por ali. Sofia também não poderia reclamar de que era um cliente problemático. Nunca pediu dinheiro emprestado no banco, sua conta nunca apresentou qualquer irregularidade, nem tampouco parecia irritado ou impaciente com as longas filas em dias de pagamento. Mas havia alguma coisa nele que a intrigava.

 

Na primeira vez que ela o abordou, sua reação foi de estranhamento. Logo depois, um sorriso tímido e virou as costas. E era apenas para lhe oferecer um cheque especial. Nem assim. Parecia que ele permanecer incógnito. Sofia não insistiu de novo. Adotou a estratégia passiva: “Um dia ele precisará de mim e então descobrirei o seu segredo e saberei como conquistá-lo”.Mas este dia não chegava. A movimentação de sua conta era simples: alguns depósitos, saques e aplicações no mercado de ações. Nada que levantasse suspeita.

 

Após dois meses da estratégia sem resultados, Sofia partiu para o ataque. Não o deixava mais entrar na fila. Pegava pessoalmente o seu talão de cheques. E ele, sem dar sinal de aproximação.

 

Até que, um dia, Sofia recebeu um telefonema. Era a esposa do “cliente misterioso” pedindo a sustação do último talão de cheques que ele pegara, pois tinha acabado de ser assaltado. Sofia pediu para falar com ele, dizer que sentia muito e que ele não precisava se preocupar com nada. Mas qual não foi sua surpresa quando sua esposa disse que seria impossível falar com ele já que ficara surdo e mudo há seis meses quando sofreu um trauma profundo. Sofia ficou perplexa. “Como eu não sabia disto?” E a esposa continuou: “Ele não gosta que as pessoas saibam. Ele é um homem muito tímido e reservado”.

 

Enfim o mistério foi descoberto. O que fazer de agora em diante? Tentar uma outra forma de aproximação ou reservar-lhe o direito ao silêncio?

 

Ela preferiu tentar. Algumas semanas depois, quando ele retornou à agência, Sofia o cumprimentou com discrição e entregou-lhe um bilhete:

 

“Sr. X. Caso precise de qualquer informação, não hesite em escrever-me. Agora seremos parceiros de verdade”.

 

Ele olhou bem fundo nos olhos dela, sorriu e escreveu no verso do bilhete dela: “Sei que agora posso confiar em você. Obrigado”.

 

 

Sheila Vasconcellos é jornalista e escreveu este conto em setembro de 1992, quando ainda trabalhava como gerente de negócios no extinto Banco Nacional. O cliente da história nunca existiu, mas a incansável busca pela aproximação de Sofia se assemelha muito com a postura profissional da autora. Não é à toa que muitos clientes tornaram-se amigos até hoje.

 

Crédito:Sheila Vasconcellos

Autor:Sheila Vasconcellos

Fonte:Universo da Mulher